Por que todo jovem comunista precisa conhecer Jack London?

Jack London (John Griffith Chaney) nasceu em São Francisco, EUA, em 12 de janeiro de 1876. E morreu em 1916. A infância e adolescência foram marcadas pela pobreza e trabalhos como entrega de jornais antes dos 10 anos. Comprou um barco e aprendeu sozinho sobre pesca de lagostas aos 12 anos, durantes anos seguintes também empregou-se na patrulha marítima e marinha mercante. Aos 14 anos torna-se operário numa fábrica de enlatados cumprindo turnos de até 18h a 20h diárias para sustentar a família. Ainda na adolescência, trabalha numa fiação e numa estrada de ferro e foi preso por “vadiagem” e por fazer parte de uma gangue de adolescentes que saqueavam ostras. E aos 17 escreve um conto para um concurso em que é premiado.

Em 1894, aos 20 anos, aderiu ao exército de Kelly, ligado ao exército Coxley de Desempregados, a caminho de Washington. A crise econômica dessa década desenvolvia-se pressionando tanto os empregos quanto os salários, aumentando assim a concorrência entre os trabalhadores e lançando-os na penúria. London compôs um dos exércitos que agrupava milhões de trabalhadores em marcha com suas reivindicações aos patrões e aos governos. É nesse movimento que London tem contato pela primeira vez com as ideias socialistas. As principais obras que contam com passagens por essa experiência são O Tacão de Ferro e A Estrada.

Apenas aos 21 anos conseguiu retornar aos estudos, mas abandona a universidade após um semestre, nessa época trabalhava como faxineiro. Em 1900 publica O filho do Lobo, seu primeiro livro. Em 1903 O Povo do Abismo e O Chamado da Selva. Sempre autoditada, torna-se um dos mais populares escritores de seu tempo e passa a viver profissionalmente da escrita, vira, inclusive, um homem rico. 

Foi em 1896 que Jack London ingressa no Partido Socialista (seção estadunidense da II Internacional) e desenvolve uma intensa militância. Chegou até mesmo concorrer ao cargo de prefeito de Oakland em 1901 e 1905.

Em 1903 após viagem a Londres publica O Povo do Abismo. Um livro-reportagem fabuloso descrevendo a fome e a falta de abrigo no coração do império britânico a partir de uma perspectiva proletária e revolucionária que se assemelha a obra de Engels “A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra”. Segue um trecho:

“(…) Nessas condições, o panorama para as crianças é desolador. Morrem como moscas e, aquelas que sobrevivem, sobrevivem porque possuem excessiva vitalidade e enorme capacidade de adaptação à degradação que as rodeia. Não têm vida doméstica. Nas tocas e covis em que vivem estão expostas a tudo o que existe de obsceno e indecente. Assim como nas suas mentes, também seus corpos são afetados pelas más condições de saneamento, pela superpopulação e pela desnutrição. Quando três ou quatro crianças moram com os pais num quarto onde é preciso se revezar para espantar os ratos, quando nunca têm o bastante para comer e quando são picadas, enfraquecidas e arrasadas pelas pulgas e piolhos que infestam o ambiente, o tipo de homens e mulheres em que se transformarão pode ser facilmente imaginado.” (O Povo do Abismo. Jack London. Editora Perseu Abramo. pp285)

É um dos autores fundamentais para se conhecer o modo de vida dos trabalhadores. Muitas das suas obras são autobiográficas, além das já citadas, o conto O Herege em que se denuncia o trabalho infantil nas fábricas. E o romance Martin Eden, que apresenta um jovem marinheiro semianalfabeto que luta pelo amor de uma jovem pequeno burguesa enquanto descobre outra paixão, a escrita. Ler uma obra de Jack London é ler uma literatura profundamente crítica ao capitalismo e otimista e esperançosa com os trabalhadores. Pois apesar de embrutecidos pelo trabalho, os personagens são doces, inteligentes, corajosos, cheios de força.  Recomendamos também suas histórias de aventuras, de cachorros, em alto mar, na corrida do ouro no Alaska, sobre o alcoolismo etc. Estamos falando de um dos 100 maiores autores de língua inglesa do século XX.

E há mais um destaque sobre Jack London. Sua obra teve o reconhecimento de Leon Trotsky. O homem que dirigiu duas revoluções operárias e reconhecido político que dominava o conhecimento sobre arte. Em sua carta de 1937 para Joan London, filha de Jack London, Trotsky elogia o conhecimento político de Jack London sobre a conjuntura. Ele diz que Jack London conseguiu enxergar os problemas no interior dos organizações proletárias que a II Internacional não conseguia ver, como por exemplo, a aristocracia operária e o papel traiçoeiro da burocracia. Isso num momento em que a direção da II Internacional se afundava nas ilusões do reformismo pacifista. Trotsky afirma na carta: 

“(…) Se alguém se der ao trabalho de conferir as previsões de O Tacão de Ferro com [jornais das seções da II Internacional na Alemanha, Áustria, EUA] há-de se convencer facilmente de que o romancista de 31 anos enxergou muito mais claro e mais longe do que todos os líderes da socialdemocracia daquela época juntos. Mas não estamos falando apenas dos reformistas: pode-se dizer com segurança que em 1907 nenhum dos marxistas revolucionários nem mesmo Lenin e Rosa Luxemburgo imaginaram de maneira tão completa a ameaçadora perspectiva de aliança entre o capital financeiro e a aristocracia operária trabalhista. Isso basta para determinar o peso específico desse romance.” 

Quem desejar ler um ensaio com mais detalhes sobre vida e obra de Jack London, recomendamos o texto de Maria Silvia Betti “Jack London, um homem do seu tempo” (50 páginas) publicado no Livro O Povo do Abismo, pela Perseu Abramo. Aqui nesse pequeno artigo buscamos apresentar Jack London mais para quem não o conhece, para convidar e estimular a juventude a conhecer toda sua obra.

Nesse quadro da conjuntura que atravessa o capitalismo, não há vestígio de democracia e progresso pacífico. E sobre a massa de explorados e oprimidos, continua a ergue-se o reformismo que conta com o tripé: aristocracia operária, polícia e com o capital financeiro no topo. E Jack London permanece atual quando diz “Veja em que espécie de abismo a burguesia vai te lançar, se não acabares com ela!” (O Tacão de Ferro)

Facebook Comments Box