A luta pela educação pública, gratuita e para todos nas universidades privadas

Este artigo foi originalmente publicado na brochura “A luta pela educação pública, gratuita e para todos: questões do movimento estudantil”, lançada no 2º Seminário Em Defesa da Educação Pública, Gratuita e Para Todos e que encontra-se disponível, em versão PDF e Yumpu, para baixar ao final deste artigo. Você pode contribuir para que possamos seguir publicando materiais como esse e para o auto financiamento de nossa organização, doando qualquer quantia através do PIX: souliberdadeeluta@gmail.com. Temos o orgulho de anunciar que esta brochura está sendo impressa e estará nas mãos de nossos militantes e apoiadores ainda esse ano.  Boa leitura!

As diversas mobilizações contra os cortes na educação levaram milhares de jovens às ruas nos últimos anos. Esses cortes foram principalmente na educação pública, institutos e universidades federais, além da educação básica. Mesmo assim, milhares de estudantes de universidades privadas participaram dessas manifestações em defesa da educação pública.

O fato é que os estudantes de universidades privadas são a imensa maioria dos jovens que alcançaram o ensino superior. E, ao contrário do que costuma se apresentar, esse setor tem um papel fundamental na luta pela educação pública, gratuita e para todos. Sua luta histórica é uma bandeira que confronta diretamente os tubarões do ensino e as receitas de austeridade do imperialismo para a educação no Brasil, a federalização das universidades privadas, que a União Nacional dos Estudantes (UNE) abandonou sob a direção da chapa ‘’Frente Brasil Popular’’, encabeçada pelo PCdoB, PT, PDT, Consulta Popular e Levante Popular da Juventude.

Para entender as bases dessa traição e resgatar uma bandeira fundamental para a luta do movimento estudantil brasileiro, fundamentalmente, para os estudantes das universidades privadas, a Liberdade e Luta traz a público esse artigo com o sentido de fortalecer a luta dos estudantes na direção de sua verdadeira bandeira histórica: a luta pelo ensino público, gratuito e para todos.

Qual a cara do ensino superior privado no Brasil hoje?

O setor privado de educação no Brasil representa 75,8% das 8.604.526 milhões de matrículas no ensino superior, ou seja: 6.524.108 milhões de estudantes estão vinculados ao ensino superior privado[1]. O fato é que a rede pública de ensino superior ainda continua sendo para uma estrita minoria, o que empurra milhões e milhões de jovens a procurarem uma vaga nas universidades privadas. No Brasil, existem 2.306 instituições privadas de ensino superior, contra somente 302 públicas. E a cada estudante matriculado em cursos presenciais nas universidades públicas, há 2,5 matriculados nas privadas. Na rede privada, 50,7% das matrículas são de cursos de Educação à Distância, enquanto nas instituições públicas esse percentual já alcança 5,8% das matrículas. No Censo de 2016, o MEC projetava que somente em 2016 os cursos EaD superariam as matrículas dos cursos presenciais na rede privada, mas como vemos pelos dados do Censo de 2019, só foi preciso três anos para que isso se tornasse realidade. A pandemia de Covid-19 transformou ainda mais essa realidade, levando a que praticamente todos os cursos, na rede privada e pública, se tornassem remotos, isto é, continuidade da turma e do professor no mesmo horário que aconteceriam as aulas presenciais. Contudo, a sanha do capital por reduzir custos piorou o cenário, expandindo mesmo a Educação à Distância, com aulas gravadas, demissão de professores e funcionários, superlotação de salas, alterações na grade e manutenção das mensalidades dos cursos presenciais.  

Como chegamos até aqui?

Para responder a essa pergunta, nos baseamos nos dados apresentados na pesquisa do ProfessoAntonio Carlos Pereira Martins, Ensino superior no Brasil: da descoberta aos dias atuais[2]disponível nas fontes desse artigo.

A expansão do ensino superior privado sempre esteve conectada com a precarização e a expansão insuficiente das universidades públicas. A burguesia brasileira não tinha (e continua não tendo) entre seus interesses a expansão das universidades públicas, que começaram a existir de forma muito elitizada e lenta ainda durante o período imperial com a chegada da família real portuguesa ao Brasil.

“Com a independência política em 1822 não houve mudança no formato do sistema de ensino, nem sua ampliação ou diversificação. A elite detentora do poder não vislumbrava vantagens na criação de universidades. Contam-se 24 projetos propostos para criação de universidades no período 1808-1882, nenhum dos quais aprovado. Depois de 1850 observou-se uma discreta expansão do número de instituições educacionais com consolidação de alguns centros científicos como o Museu Nacional, a Comissão Imperial Geológica e o Observatório Nacional. A ampliação do ensino superior, limitado às profissões liberais em poucas instituições públicas, era contida pela capacidade de investimentos do governo central e dependia de sua vontade política.”

Foi a partir do final do século XIX que a iniciativa privada começou a criar suas próprias instituições com aval da Constituição da República de 1891. Essas instituições surgiram da iniciativa das elites confessionais católicas e foram as primeiras faculdades que não estavam sob o controle do governo central. Existiam somente 24 instituições de ensino superior com 10 mil estudantes. Depois que foi permitido à iniciativa privada a criação de estabelecimentos, o total era de 133 universidades, das quais 86 foram criadas somente na década de 1920.

Nessa época não existiam universidades no sentido que temos hoje, mas faculdades isoladas em diferentes cantos do país. Isso era alvo de crítica e debates no meio acadêmico que reivindicavam centros de saber – que, obviamente, deveriam servir aos interesses da burguesia. A USP, por exemplo, surgiu da união da Escola Politécnica de São Paulo, Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Faculdade de Medicina, Faculdade de Direito, Faculdade de Farmácia e Odontologia com a mais recente Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. A UFRJ, criada pelo decreto n.º14.343 de 1920 pelo governo federal, foi a primeira universidade do Brasil no sentido moderno que conhecemos, mas mesmo ela foi criada a partir da união de três escolas criadas no século XIX após a chegada da família real: a Escola de Engenharia (criada a partir da Academia Real Militar em 1810), a Faculdade de Medicina (criada em 1832 nas dependências do Hospital Militar) e a Faculdade de Direito (criada em 1891, pelas já existentes Faculdades de Ciências Jurídicas e Sociais e Faculdade Livre de Direito da Capital Federal)[3]

“Foi com base nestes debates que o governo provisório de Getúlio Vargas promoveu (em 1931) ampla reforma educacional, que ficou conhecida como Reforma Francisco Campos (primeiro-Ministro da Educação do país), autorizando e regulamentando o funcionamento das universidades, inclusive a cobrança de anuidade, uma vez que o ensino público não era gratuito.”

É interessante observar que nem mesmo o ensino público nesse período era gratuito. De 1945 a 1968, o movimento estudantil e dos professores defendia a educação pública e a abolição do ensino privado por absorção pública. É o que chamamos de federalização das universidades privadas. Esse movimento, no entanto, foi desmantelado com a ditadura militar, a partir de 1964. Com as grandes mobilizações em todo o mundo no ano de 1968, o movimento estudantil e professores reagiram e reorganizaram sua luta. Uma reforma universitária era exigida e o regime militar teve que ceder em alguns pontos. Essa reforma, que abordaremos em outros documentos, é vista por alguns setores como modernizadora do ensino superior, contudo, outro lado da moeda é que ela deu condições para a expansão do ensino superior privado. Isso se deu pela possibilidade de criação de estabelecimentos isolados em “caráter excepcional”. [4]

Já em 1933, o setor privado correspondia a 64,4% dos estabelecimentos de ensino superior contra 43,7% de instituições públicas. Até 1960 houve um balanceamento entre a quantidade de instituições públicas e privadas, pois houve a criação de universidades estaduais e um processo de federalização de universidades privadas, esse processo fez parte, por exemplo, da história do movimento estudantil da PUC-SP, contado do livro Memórias – a luta pelo ensino público e gratuito numa universidade particular de Maria Luisa Santos, que vamos retomar mais a frente.

O período de 1940 a 1970 foi de expansão da quantidade de universitários. Esse aumento da demanda levou a uma expansão do ensino superior que foi em muito absorvida pelo setor privado.

“No período 1940-1960 a população do país passou de 41,2 milhões para 70 milhões (crescimento de 70%), enquanto as matrículas no ensino superior triplicaram. Em 1960, existiam 226.218 universitários (dos quais 93.202 eram do setor privado) e 28.728 excedentes (aprovados no vestibular para universidades públicas, mas não admitidos por falta de vagas)6. Já no ano 1969 os excedentes somavam 161.527. A pressão de demanda levou a uma expansão extraordinária no ensino superior no período 1960-1980, com o número de matrículas saltando de aproximadamente 200.000 para 1,4 milhão, ¾ partes do acréscimo atendidas pela iniciativa privada. Em finais da década de 1970 o setor privado já respondia por 62,3% das matrículas, e em 1994 por 69%4. A partir de 1980 observou-se uma redução progressiva da demanda para o ensino superior em decorrência da retenção e evasão de alunos do 2º grau, inadequação das universidades às novas exigências do mercado e frustração das expectativas da clientela em potencial.” 

A partir de 1990, o ensino superior se mantém praticamente estável, oferecendo cerca de 1,5 milhão de vagas. A relação entre público e privado diminui um pouco, com o decréscimo relativo de vagas ofertadas pelo setor privado. Nos anos 90, a relação de matrículas no setor privado passou de 62%, durante o governo Collor, para 58% no final do governo Itamar.

Com relação ao período FHC-Lula utilizamos a pesquisa de José-Marcelo Traina-Chacon e Adolfo-Ignacio Calderón A expansão da educação superior privada no Brasil: do governo de FHC ao governo de Lula

A política geral adotada pelo governo FHC foi ditada por organismos internacionais como o Banco Mundial e o FMI. Essas políticas, baseadas no Consenso de Washington, tinham como pressupostos a abertura financeira e comercial do país ao capital estrangeiro, um processo de privatização das estatais, redução do papel do Estado na economia e ampliação da participação da iniciativa privada. Fazia parte do pacote ataques aos direitos dos trabalhadores e dos serviços públicos para controlar o “orçamento”. Com base nesses pressupostos, a educação superior foi mais uma vez entregue à iniciativa privada, enquanto as universidades públicas passaram por um processo de sucateamento e precarização. Foi proposto um projeto de autonomia para as universidades federais que propunha converter o status jurídico para organizações sociais, sociedades civis sem fins lucrativos ou fundações de direito privado. Era um passo para sua privatização, mas o projeto não passou devido à pressão do movimento estudantil e dos professores. O governo aprovou, no entanto, a Lei de Organizações Sociais, que se estendia às funções desenvolvidas por Instituições de Ensino Superior (IES) e um sistema de avaliação que era baseado no ranqueamento das IES, que ficou conhecido como o “Provão”, onde as instituições que não obtivessem boas notas seriam fechadas pelo Ministério da Educação.

Na LDB de 1996, o governo aprovou uma distinção do ensino superior, que culminou com a criação de centros universitários, das faculdades integradas, das faculdades e dos institutos superiores ou escolas superiores. Isso também favoreceu a expansão do ensino superior privado, porque era possível criar não mais universidades, mas faculdades específicas, ‘para atender a demanda do mercado’. A expansão do setor privado no ensino superior foi de 110,8% durante FHC contra somente 28,1% de expansão das IES federais e retração de instituições públicas de nível municipal e estadual. Houve avanço também na quantidade de matrículas no ensino superior privado, de 60% em 1995 para 70% em 2002. 

AnoTotalFederalEstadualMunicipalPrivada
1995894577677684
20021 6377365571 442
1995/2002 (%)83.128.1‐14.5‐26.0110.8
Fonte: MEC/INEP/SEEC (Brasil, 2012).

“Em 1994, das 851 IES, 192 (22.5%) eram públicas e 659 (77.5%) eram privadas. Em 2002, das 1.637 IES, 195 (11,9%) eram públicas e 1.442 (88.1%) eram privadas. Nesse período de oito anos, as IES privadas passaram de 77.5% para 88.1%”

Esses dados conferiram ao Brasil a posição do país com maior índice de privatização na América Latina e entre os cinco maiores no mundo. A era FHC, atendendo todas as receitas do FMI e Banco Mundial, ditadas pelo Consenso de Washington, teve como consequência uma expansão acelerada do ensino superior. 

“O setor público aprofundou a parceria público‐privada na disseminação de cursos pagos de extensão e estreitando as relações entre fundações privadas e universidades públicas. Por fim, viu‐se reafirmada a opção estabelecida no regime militar nos anos 60, pelo estímulo à iniciativa privada.”  

Lula: transferência de recursos públicos para instituições privadas

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Imagem: Jornal Saiba Mais

O fato de um operário ser elevado ao posto de presidente da república levou muitas pessoas a acreditarem que o governo do PT e de Lula seria um governo de esquerda, que fortaleceria o papel do Estado e, para os desavisados, implantaria o socialismo no país. Mas, na verdade, Lula já sinalizava ao ‘mercado’ que cumpriria a agenda que eles ditassem, firmando um compromisso com as políticas de ataque aos trabalhadores ditadas pelos mesmos organismos internacionais que governaram durante a era FHC. Na educação, isso se expressou, já em seu primeiro mandato, com a aprovação de leis que regulamentavam a participação do capital privado na educação. 

“(…) o Decreto n° 5.205/2004, que regulamentou as parcerias entre as universidades federais e as fundações de direito privado, viabilizando a captação de recursos privados para financiar as atividades acadêmicas; a Lei de Inovação Tecnológica (n° 10.973/2004) sobre parcerias entre empresas e Universidades Públicas; o Projeto de Lei n° 3.627/2004, que tratava do Sistema Especial de Reserva de Vagas; projetos e decretos sobre reformulação da educação profissional e tecnológica; o Programa Universidade para Todos (PROUNI) —Lei n° 11.096/2005—, que previa isenção fiscal para as instituições privadas de ensino superior em troca de vagas para alunos de baixa renda; e a política de educação superior a distância.”

O decreto n.º 5.205/2004 foi revogado em 2010 e em seu lugar foi aprovado o decreto n.º 7.423/2010, que fundamentalmente mantém o objetivo de captação de recursos privados para financiar atividades acadêmicas. A Lei de Inovação Tecnológica, também expressa o mesmo objetivo em seu inciso V, de 2016: promoção da cooperação e interação entre os entes públicos, entre os setores público e privado e entre empresas. É importante destacar que isso se expressa no movimento estudantil, especialmente na direção da UNE, com o abandono completo da defesa da educação pública, gratuita e para todos em favor da linha de “regulamentação do ensino superior”, o que, na prática, significa aceitar o ensino privado, mas colocar “regras” para sua expansão.

A aprovação dessa lei levou a que a criação de universidades federais ou campus durante o governo Lula estivesse subordinada a regiões ou cidades onde interessa para o capital e, de fato, subordinou a pesquisa e a ciência nas universidades públicas ao interesse do capital. Permitiu com que empresas pudessem utilizar laboratórios e equipes das universidades públicas, promoveu a subvenção econômica – investimento com recursos públicos não reembolsáveis diretamente nas empresas -, permitiu que a pesquisa a ser realizada seja encomendada para a empresa privada ao invés de ser realizada na universidade pública, além de incentivos fiscais, na prática, reduzindo os impostos que essas empresas devem pagar ao estado para incentivá-las a pesquisar. Um pacote bem interessante para o capital privado. A lei que estabeleceu o PROUNI é clara com relação ao fortalecimento e incentivo do setor privado: 

Art. 1º Fica instituído, sob a gestão do Ministério da Educação, o Programa Universidade para Todos – PROUNI, destinado à concessão de bolsas de estudo integrais e bolsas de estudo parciais de 50% (cinquenta por cento) ou de 25% (vinte e cinco por cento) para estudantes de cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições privadas de ensino superior, com ou sem fins lucrativos.

(…)

Art. 8º A instituição que aderir ao Prouni ficará isenta dos seguintes impostos e contribuições no período de vigência do termo de adesão: (Vide Lei nº 11.128, de 2005)

I – Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas;

II – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, instituída pela Lei nº 7.689, de 15 de dezembro de 1988;

III – Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social, instituída pela Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991 ; e

IV – Contribuição para o Programa de Integração Social, instituída pela Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970.

O que ocorreu com a implementação do PROUNI foi a transferência direta de dinheiro público para financiar bolsas de estudantes de baixa renda em universidades privadas, na proporção de 1 bolsista para cada 9 matriculados pagantes. Além disso, a lei ainda permitiu que as instituições privadas que não gozam de autonomia pudessem aumentar a quantidade de vagas que ofertam. 

Nesse tripé de leis, encontra-se a base jurídica para a expansão das universidades privadas sob o governo Lula. Do ponto de vista político, não houve nenhuma diferença com o governo de FHC para o fortalecimento do setor privado. Ao contrário do que pensavam e que alguns ainda pensam, Lula não implementou uma política de esquerda para a educação, mas continuou com a política aplicada no governo FHC, uma política liberal e reacionária. 

Ao mesmo tempo, o governo implantou o projeto REUNI (Plano de Reestruturação das Universidades Federais). Esse projeto tinha como objetivo aumentar a expansão das universidades federais. 

“O número de matrículas nas IES federais no início do primeiro mandato do governo de Lula era de 567.101, em 2003. No final de seu primeiro mandato em 2006, o número de matrículas em IES federais foi de 589.821. Houve um aumento de 4% no número de matrículas no primeiro mandato. Com a implantação do REUNI, o número de matrículas, no final do segundo mandato do governo Lula, em 2010, passou para 833.934, um aumento de 41.4%.”

No entanto, essa expansão foi uma farsa do ponto de vista de qualidade e das necessidades reais da juventude brasileira para deixar de pagar mensalidades e acessar massivamente o ensino superior público. 

Com relação a implementação do PROUNI e a expansão do ensino superior privado, o autor fornece a seguinte tabela e explicação: 

AnoTotal de matrículas IES privadasTotal de alunos sem PROUNITotal de alunos com PROUNI
20042.985.4052.985.4050
20103.987.4243.514.424473.000
Fonte: MEC/INEP/SEEC (Brasil, 2012).

“Como pode‐se observar na tabela 3, no ano de 2004, ano de criação do PROUNI o total de alunos matriculados em IES privadas era de 2.985.405 e nenhum aluno bolsista do PROUNI. No final do governo de Lula em 2010, o número de alunos em instituições privadas de ensino superior passou para 3.987.424, sendo 473.000 bolsistas do PROUNI. Ou seja, em 2010 houve um aumento de 1.002.019 matrículas no setor privado se comparado com o ano de 2004, dos quais 47% foi proporcionado pelo programa de bolsas do PROUNI.” 

Essas matrículas no setor privado poderiam não ter nem mesmo acontecido se o governo ampliasse os investimentos nas universidades públicas, o que significa que a expansão do ensino superior privado somente aconteceu graças ao financiamento do governo federal. Com relação às matrículas, a diferença com relação ao período FHC é que houve mais matrículas durante o governo Lula nas IES públicas em relação às privadas, uma diferença de 47,1% nas IES públicas contra 45% nas privadas. Superficialmente, este parece um bom resultado, no entanto, ele esconde que o aumento de matrículas poderia ter sido muito maior se todo o dinheiro gasto no financiamento do setor privado fosse aplicado no público. Esconde também que mesmo esses investimentos seriam insuficientes para atender toda a demanda de jovens que querem fazer o ensino superior. Ao mesmo tempo, podemos verificar o enfraquecimento das IES municipais e estaduais, que não foram beneficiadas no governo Lula. 

AnoTotalFederalEstadualMunicipalPrivada
20033.887.022567.101442.706126.5632.750.652
20105.449.120833.934524.698103.0643.987.424
2003/2010 (%)40.247.118.5‐18.645.0
Fonte: MEC/INEP/SEEC (Brasil, 2012).

Ao final de seus mandatos, Lula entregou um ensino superior onde das 5.449.120 milhões de matrículas, 3.987.424 milhões estavam no ensino superior privado, isto é, 73,17% de todas as matrículas já estavam controladas pelo ensino superior privado. 

Fazemos da conclusão dos autores, as nossas:

“Os dados estatísticos apresentados permitem afirmar que, de forma paradoxal, o governo de Lula, distante de ser inibidor da expansão do setor privado, foi o grande patrocinador das IES privadas por meio do PROUNI. O governo Lula não conseguiu ampliar o número de matrículas do setor estatal em 40%, nem reduzir a presença do setor privado a 60%, bem como potencializou o financiamento do setor privado com recursos públicos. Diante dessa constatação, pode‐se levantar a hipótese de que o financiamento público de matrículas no setor privado constitui‐se numa estratégia governamental que aliviou o setor privado diante da taxa decrescente de crescimento no número de matrículas, bem como do elevado número de vagas ociosas existentes. Tanto o governo de Lula, como o de FHC, preservou o princípio adotado pelo regime militar na Reforma Universitária de 1968, isto é, o atendimento da demanda por educação superior por meio da expansão do setor privado.”

No governo Dilma-Temer, houve uma continuidade dessas políticas e reformas, além de outros ataques, como a reforma do ensino médio e a EC 95 do Teto dos Gastos, reduzindo investimentos na educação e ampliando sua privatização. O Censo da educação de 2018 mostrou 3,4 milhões de alunos ingressaram em cursos de educação superior de graduação. Desse total, 83,1% em instituições privadas e que do total de matrículas (8.450.755), 75,4% estavam concentradas no ensino superior privado, isto é, 6.373.274. 

Problemas no ensino superior privado

O que rege uma empresa privada é a redução de custos, a maximização de lucros e a oferta e demanda. De forma geral, é assim que qualquer capitalista pensa para fazer seu negócio o mais lucrativo que puder. O mesmo processo é aplicado na educação, que sob o sistema capitalista, se torna uma mercadoria e é submetida as mesmas leis de produção e distribuição de qualquer outra mercadoria.

A principal forma de reduzir custo é o corte na folha de pagamento. É por isso que o Ensino a Distância (EAD) é tão difundido das universidades privadas. Com a gravação das aulas deixa de ser necessária a contratação de professores para lecionarem a disciplina EAD. Além disso, o custo com a estrutura das salas de aula, dos prédios, das bibliotecas, dos laboratórios, etc. são praticamente inexistentes. Ademais, ocorre uma verdadeira redução da qualidade do ensino, visto que o profissional que grava as aulas pode não ter tido formação específica para a aula que foi contratado para gravar. 

Um caso bem emblemático sobre esses assuntos aconteceu em 2018, quando 150 professores foram demitidos da Laureate Brasil (mantenedora da FMU, FIAM-FAAM e Anhembi Morunbi) por terem denunciado irregularidades nos cursos EAD. Os professores demitidos afirmaram que a Laureate estava forjando documentos para reconhecimento dos cursos pelo MEC e levando professores à atuação fora das áreas de seu conhecimento. Você pode ter mais informações sobre o relatório de 170 páginas desses professores nos links em nossas fontes. 

As demissões trazem um efeito em cascata para a qualidade do ensino. Ao reduzir professores, concentra-se uma quantidade crescente de alunos, levando a superlotação das salas, portanto, também contribuem para reduzir custos de estrutura e sua precarização. 

Em 2019, no final do primeiro semestre, a Laureate Brasil demitiu mais 200 professores, essas demissões também têm outro sentido. Tirar da folha de pagamento os professores com salários mais altos, devido à experiência e formação, e contratar os que tem menos experiência e formação com salários mais baixos. Assim, os alunos das empresas privadas sofrem de uma falta de qualidade crônica no ensino superior. 

Como se não bastasse, as universidades privadas não somente lucram com a redução dos custos, mas com o aumento exponencial das mensalidades que acontece, muitas vezes, semestralmente. Na Laureate, o reajuste semestral é de 6%, portanto a cada ano um aumento de 12%, se a taxa de reajuste permanece a mesma. Isso significa ao final do curso o estudante terminará pagando a mais cerca de 60% da sua mensalidade inicial. 

Os juros dos financiamentos representam outra forma extravagante de ataque aos estudantes das universidades privadas. Muitos estudantes não conseguem pagar a mensalidade, por isso ou entram no FIES, financiamento estudantil público, ou então os financiamentos oferecidos pelas instituições privadas. Além de pagar as mensalidades, terão de pagar os juros e não é só isso, pois o modelo de financiamento inflacionou as mensalidades em 20%, o risco da inadimplência é embutido no valor das mensalidades pagas. Em 2017, cerca de 50% dos estudantes das universidades privadas contavam com alguma forma de financiamento, a previsão a partir do corte orçamentário do governo federal desde Dilma até Bolsonaro e com uma nova recessão a vista é que esse percentual seja reduzido para 20% até 2021. 

Os descontos, oferecidos como uma forma de atrair novas matrículas, são muitas vezes cortados durante o curso, prejudicando a permanência dos estudantes. A perda das bolsas ou descontos também tem como reduzir custos para a empresa e o resultado de todo esse processo é o aumento gigantesco dos lucros. 

O seu lucro é o nosso prejuízo

Na demissão dos professores da Laureate em 2019, alguns estudantes organizaram uma manifestação que, apesar de não ter sido bem-sucedida devido ao período das provas finais e da baixa mobilização nesse contexto, trouxe uma palavra de ordem muito correta sobre a situação. Eles diziam: “O seu lucro é o nosso prejuízo”, o que é a mais pura verdade. Os lucros auferidos pelas universidades privadas nunca foram tão grandes. Segundo estudo da Hoper de 2013, o faturamento das universidades privadas cresce 30% em dois anos, com cerca de 5 milhões de estudantes matriculados naquele período. 

“Termos do mercado financeiro como faturamento, IPO, obtida, ganho de escala, fundo de private equity e poder de barganha dominam os diálogos de quem cuida da gestão de métodos de ensino, propostas pedagógicas e corpo docente destes conglomerados. Segundo estudo da Hoper, o setor tem 2.081 instituições de ensino pertencentes a pouco mais de 1.400 empresas (mantenedoras), que dividem um bolo de quase 5,1 milhões de alunos (contando com o ensino a distância), sendo que atualmente as 13 principais empresas concentram 38% dos alunos no ensino superior privado. Essas mesmas 13 empresas detêm um terço do faturamento do mercado de educação superior.”

Os dados acima são de 2013 e de lá para esse processo de monopolização do ensino superior privado, com certeza, avançou. Em 2016, a Kroton comprou a Estácio de Sá, que era uma instituição com 70 campus, mais de 220 mil estudantes, sendo mais de 129 mil de cursos presenciais e mais de 77 mil de cursos EAD. Hoje a Kroton tem 1,185 milhões de estudantes, sendo mais 819 mil na modalidade EAD, 290 mil estudantes na educação básica em 127 campi e 11 marcas de sua propriedade espalhadas pelo Brasil. Antes dessa compra em 2016, a Kroton havia se fusionado com a Anhanguera Educacional e já naquela época havia se tornado na maior empresa de ensino superior do mundo. O lucro da empresa alcança a marca de R$2,240 bilhões (dados de 2017). 

No caso da Laureate, outro tubarão do ensino privado, uma multinacional norte-americana, presente em cerca de 20 países, concentra 470 mil estudantes e é dona de 12 marcas de instituições de ensino no Brasil. De 2017 para 2018, houve um aumento no lucro dessas 12 marcas de 14%, quando o lucro da empresa passou para R$1,7 bilhão. No Brasil, a empresa tem 275 mil estudantes, sendo que 90% deles estão em cursos ditos presenciais, mas, na verdade, são cursos que contém pelo menos uma disciplina on-line. 

Esses são os tubarões do ensino privado. Dissemos antes que o ensino privado representa 76% das 8 milhões de matrículas do ensino superior. Pois bem, desses 76%, cerca de 35% é controlado somente por essas duas empresas. Para os estudantes, isso significa um enorme controle sobre as condições de estudo, pesquisa, trabalho, estrutura e preço que os estudantes e trabalhadores lidam cotidianamente. 

O avanço do monopólio do ensino superior significa que poucas empresas terão poder suficiente para definir os preços, portanto, aumentarão seus lucros. Esse é todo o processo que tem acontecido nos últimos anos. Para que essas empresas lucrem tanto, elas aumentam as mensalidades, retiram descontos, fornecem estruturas precárias, professores cada vez menos qualificados, aulas a distância, endividamento, falta financiamento para pesquisa, precarização e extinção de cursos menos rentáveis… Enfim, como os estudantes já disseram, o seu lucro é o nosso prejuízo.

Lênin explicou em Imperialismo – fase superior do capitalismo, que os traços fundamentais da época que vivemos são:

“1) a concentração da produção e do capital levada a um grau tão elevado de desenvolvimento que criou os monopólios, os quais desempenham um papel decisivo na vida econômica; 2) a fusão do capital bancário com o capital industrial e a criação, baseada nesse “capital financeiro” da oligarquia financeira; 3) a exportação de capitais, diferentemente da exportação de mercadorias, adquire uma importância particularmente grande; 4) a formação de associações internacionais monopolistas de capitalistas, que partilham o mundo entre si, e 5) o termo da partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes.”   

Esses traços se expressam de forma plena na educação, onde vemos a formação desses gigantescos monopólios, esses monopólios são governados por capitalistas financeiros que nada tem a ver com a educação, mas que querem somente aumentar seus lucros, a exportação de capitais com o financiamento estrangeiro dessas empresas educacionais aqui no Brasil.

O que está por trás dos monopólios é a propriedade privada dos meios de produção. O fato de existir a propriedade privada leva a que a educação superior que a maioria dos estudantes brasileiros tenham acesso seja a educação privada, seja a educação de responsabilidade individual e não coletiva. Se entendemos que o lucro desses grandes capitalistas é o nosso prejuízo, então nossa resposta deve ser a propriedade comum dos meios de produção e isso se aplica perfeitamente nas universidades privadas através do que já mencionamos antes, a luta pela federalização das universidades privadas. Mas, para chegar lá, precisamos entender qual o papel das mantenedoras na manutenção da propriedade privada na educação superior.  

Por que dizemos Fora Mantenedoras?

Vimos que é o Estado burguês que direta ou indiretamente financia a expansão do ensino privado. Isso está juridicamente aprovado, em primeiro lugar, pela própria Constituição Federal, que garante à iniciativa privada a livre entrada na educação.

“O art. 209 da Constituição de 88 dispõe que ‘o ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I – cumprimento das normas gerais da educação nacional; II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público’.”

A partir disso, o Estado regulamenta a participação da iniciativa privada através de suas entidades mantenedoras, que podem ser públicas ou privadas. As privadas se subdividem em particulares em sentido estrito – as que tem finalidade lucrativa – comunitárias, confessionais e filantrópicas, sendo que as três últimas não podem ter finalidade lucrativa.  

“Os arts. 19 e 20 da LDB vigente tratam das entidades mantenedoras de educação, em todos os níveis, nos seguintes termos:

Art. 19. As instituições de ensino dos diferentes níveis classificam-se nas seguintes categorias administrativas:

I – públicas, assim entendidas as criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público;

II – privadas, assim entendidas as mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado.

Art. 20. As instituições privadas de ensino se enquadrarão nas seguintes categorias:

I – particulares em sentido estrito, assim entendidas as que são instituídas e mantidas por uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas de direito privado que não apresentem as características dos incisos abaixo; II – comunitárias, assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas educacionais, sem fins lucrativos, que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comunidade; (Redação dada pela Lei nº 12.020, de 27/8/2009)

III – confessionais, assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas que atendem a orientação confessional e ideologia específicas e ao disposto no inciso anterior;

IV – filantrópicas, na forma da lei.”

As instituições mantidas por entidades filantrópicas recebem isenção de impostos, uma vez que concedam bolsas de estudos, na proporção de pelo menos uma bolsa para cada cinco alunos pagantes matriculados, segundo a Lei 12.101. Os impostos deduzidos são justamente os destinados à Seguridade Social. A PUC e Mackenzie são exemplos de universidades filantrópicas, além de confessionais.

Instituições religiosas, como mantenedoras confessionais, também não pagam impostos sobre suas rendas e serviços, e segundo o artigo 145 da Constituição, estão imunes de pagar  o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Imposto de Renda (IR), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). Mas é bastante comum em entidades confessionais, incluindo aí as universidades, encontrarmos seus donos ou líderes muito, muito ricos. Isso vale para igrejas e para universidades, o que é estranho se elas não podem ter finalidade lucrativa…

Seguem alguns exemplos práticos de mantenedoras: no caso da PUC-SP é a Fundação São Paulo (FUNDASP, controlada por padres da Igreja Católica), no caso da FMU é a Laureate, no caso da Anhanguera é a Kroton, do caso do Mackenzie é o Instituto Presbiteriano Mackenzie, no caso da São Judas é a Anima Educação, no caso do Centro Universitário Belas Artes é a Febasp Associação Civil, a mantenedora da Univille é a Fundação Educacional da Região de Joinville – Furj, a Associação Universitária e Cultural da Bahia – AUCBA é a mantenedora da Universidade Católica da Bahia. E assim por diante. 

O fato é, todas as universidades, sejam públicas ou privadas, têm mantenedoras.  A mantenedora representa a posse da instituição de ensino. Se sua mantenedora é o poder público, a universidade é pública, se sua mantenedora é privada, a universidade é privada. Mesmo que a finalidade de uma instituição mantida por entidade privada não seja o lucro, a instituição ainda está sob a gerência da mantenedora. 

Uma pesquisa publicada na Revista Científica da Faculdade de Extrema (FAEX) em MG esclarece as responsabilidades da mantenedora: 

“(…) cabe ainda à Mantenedora os controles financeiros das receita e despesa diversas, controle de contas, captação e ampliação de recursos, além da natureza administrativa que envolve a contratação de professores, de pessoal técnico-administrativo, de advogados, de contadores, de auditores, de seguranças e de outros que prestem serviços diretamente à mantida e à mantenedora, da parte jurídica referente a representação judicial e extrajudicial da mantida e da mantenedora, pela parte contábil que envolve a escrituração de todas as operações, da pedagógica relacionada a criação e extinção de cursos e pela estrutura física da instituição como a construção e manutenção de instalações físicas, compra e manutenção de equipamentos didático-pedagógicos, instalação e manutenção de laboratórios diversos dentre outros.” 

As mantenedoras encarnam a propriedade da universidade, uma universidade pública tem como sua mantenedora o Poder Público, uma universidade privada tem como sua mantenedora pessoas físicas ou jurídicas com finalidade lucrativa ou não. A Laureate e a Kroton, por exemplo, são mantenedoras com finalidade lucrativa. A Fundação São Paulo (FUNDASP) não se apresenta na lei com uma finalidade lucrativa, no entanto, isso não faz de suas mantidas, como é a PUC-SP, uma universidade menos privada do que a FMU, UNIP ou UNINOVE, por exemplo. Na verdade, enquanto as mantenedoras como Laureate e Kroton apostam na quantidade de estudantes, a estratégia da FUNDASP é a elitização cada vez mais acentuada, através da redução da quantidade de estudantes e em mensalidades cada vez mais caras. 

Mas na PUC-SP não seria suficiente retirar a FUNDASP do controle dos padres, se a mantenedora continuar sendo privada. Assim como para nós não seria suficiente que a FMU trocasse de mantenedora, da Laureate para a Kroton, por exemplo. O problema não é a existência da mantenedora, mas o caráter de sua propriedade. Para nós a palavra de ordem por Fora Mantenedora, por exemplo, Fora FUNDASP ou Fora Laureate, tem o sentido de expropriar as instituições de ensino superior que recebem dinheiro público. 

A conclusão imediata dessa palavra de ordem é a federalização das universidades privadas, principalmente aquelas que recebem dinheiro público via PROUNI, FIES ou BNDES para a construção ou reforma de suas estruturas, é arrancar a propriedade dessas universidades das mãos dos tubarões do ensino e da Igreja, uma vez que se sustentaram com dinheiro público. Qualquer outra conclusão que se tire dessa palavra de ordem é a tentativa de corromper seu sentido revolucionário e transitório, além de uma traição à luta por educação pública, gratuita e para todos.

Mesmo dentro da esquerda, alguns afirmam que a federalização das universidades privadas é “um programa máximo” ou que é utópico, que não vai acontecer. Estes não conhecem a história ou a ignoram, não confiam no potencial revolucionário da juventude e da classe trabalhadora e rebaixam-se ao nível de um programa reacionário, servindo de apoio para a burguesia. Vamos relembrar aqui um exemplo da luta pela educação pública, gratuita nas universidades privadas, o caso da PUCSP.  

Quando a PUC-SP quase foi federalizada

Tela de computador com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente
Fonte: PUC-SP

A luta pelo ensino público e gratuito na PUC-SP se deu entre 1968 e 1990. Foram 22 anos de luta pela federalização da universidade, que se dividiu em três fases, segundo Maria Luisa Santos Ribeiro, autora do livro Memórias – a luta pelo ensino público e gratuito numa universidade particular – a PUC-SP. 

A autora explica que a primeira fase, de 1968 a 1982, teve como pano de fundo o Ato Institucional n.º5 na Ditadura Militar, o “Milagre Econômico” (1968-1982) e a crise do mesmo a partir de 1974. Com a crise, acirram-se os cortes em áreas sociais, a educação pública tem uma drástica redução de investimentos. Também a educação particular que contava com subsídios públicos sofre uma drástica redução em seus orçamentos. A PUC-SP era uma das universidades privadas que contava com subsídios públicos para a sua manutenção, chegando a ter 80% do seu orçamento baseado em verbas públicas. Nesse período, o eixo da luta por ensino público e gratuito numa universidade particular estava centrado na luta contra a ditadura militar. 

“Como já dissemos na Introdução, o eixo dessa luta é construído no processo da luta que se trava contra a ditadura militar, contra o caráter antieducacional (mercantilista) e anticultural (obscurantista) da política que marca a segunda metade dos anos 60 e, particularmente, seu final e os anos 70. Isso foi sendo feito por meio da denúncia, tanto da tentativa do governo federal de desobrigar-se da responsabilidade para com a educação escolarizada como da tentativa de eliminar o exercício da crítica na atividade de ensino e pesquisa. Era a reitoria, na qualidade de representante da Mantenedora que, diante das dificuldades de ordem financeira que iam sendo agravadas, colocava como causa de tais dificuldades a drástica redução na participação do MEC no orçamento da PUCSP. (…) Para os professores que lutavam pelo ensino público e gratuito numa escola como a PUCSP, colocava-se, nessas circunstâncias, o problema de encontroar a maneira de fazer com que o argumento da reitoria e da Mantenedora – de que a causa da falta de recursos estava na redução drástica da participação do MEC no orçamento da PUCSP – não fosse posto e usado nos limites dos interesses da Igreja. Em tais limites, como sabemos, os recursos públicos são reivindicados como mecanismo de viabilização financeira das escolas, efetivamente dirigidas pela Igreja e, apenas em palavras, mantidas por elas.” (Ribeiro, 2001. p. 52-53). 

É durante essa fase da luta que a PUCSP foi invadida brutalmente pelas forças repressoras do Coronel Erasmo Dias (1977), depois da então reitora, Nadir Kfouri, se recursar a tomar medidas policialescas contra os estudantes, que naquela altura estavam se reorganizavam na clandestinidade. No mesmo dia e mês, 10 anos depois, o TUCA (Teatro Universidade Católica) foi destruído pelo fogo, sem que explicações satisfatórias sobre as causas tenham sido dadas até hoje. Ribeiro também apresenta uma oposição aos católicos progressistas de então, aqueles ligados à Teologia da Libertação, que se apresentavam cada vez mais como católicos e menos como progressistas no que tange a luta pela educação pública e gratuita. Uma vez que eles apresentavam uma perspectiva de controle e direção da universidade sem investir na mesma, requisitando verbas públicas para a universidade privada. Diante disso, Ribeiro, que era membro da APROPUC (Associação de Professores da PUC), escreve: 

“Analisando os documentos existentes, distribuídos e discutidos no transcurso desse movimento, é possível para aqueles que não participaram, ou que, tendo participado, não o guardam de todo na memória, comprovar que, desde o início das tentativas de ser enfrentado o agravamento da situação financeira da PUC-SP, foi colocado que essa situação era em verdade a manifestação de um problema de duas ordens. Primeiro, o desinteresse por parte de grupos em condições econômicas de investir em atividade de ensino e pesquisa que não proporcionam lucros imediatos; segundo, a desobrigação do Estado brasileiro com a educação.”  (Ribeiro, 2001. p.61).

Essas observações eram direcionadas as grandes empresas, como também para a Igreja Católica, por isso a aliança com os “católicos progressistas” encontra limites sérios para o desenvolvimento da luta pela educação pública e gratuita. 

A segunda fase (1982-1987) tem como contexto a retomada das liberdades democráticas. É também o momento em que a Igreja Católica torna público, através de seu Grão-Chanceler D. Evaristo Arns, o seu interesse em manter a PUC-SP uma universidade privada e católica, no entanto, buscando retomar os subsídios públicos. Nesse período, explica Maria Luisa, a luta por ensino público e gratuito na universidade particular tem como eixo a luta por verbas públicas para universidades públicas. 

O que dava origem a perspectiva de subsídios públicos para escolas privadas era o fato de que um professor da PUC-SP se tornara governador do estado de São Paulo, André Franco Montoro (1983-1986), bem como da aprovação de uma lei chamada “Emenda Calmon” (Emenda Constitucional n.24 – de 1º de dezembro de 1983). A emenda destinava parte da arrecadação de impostos em percentual para o investimento em educação. Sobre isso, a autora escreve: 

“A definição de um percentual de recursos públicos a ser gasto em educação, nessa emenda, levou a Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas  (ABESC) a intensificar sua campanha com vistas a obter subsídios ainda maiores para as escolas católicas e, para isso, mais uma vez saiu como ‘testa de ferro’ das mantenedoras de escolas particulares em geral.  Assim, no dia 11 de abril de 1985 um documento é entregue pela ABESC ao ministro da Educação, acompanhado de um anexo com uma proposta para um ‘Projeto de Lei’, instituindo um ‘Sistema Associado de Ensino Superior’. Tais escolas teriam o direito a que 30% de seu orçamento fosse coberto com recursos públicos. É preciso explicitar que, ao mesmo tempo que reivindicavam tal repasse, reivindicavam também a preservação do ‘direito das respectivas Mantenedoras de estabelecerem livremente os critérios e os procedimentos relatos à escolha e designação de seus dirigentes (idem, item 5, letra D, p. 17). Desse modo, insistiam na preservação do poder de direção das Instituições de Ensino. Numa atitude de grande esperteza, como Mantenedoras, abriam mão da responsabilidade de conseguirem recursos particulares para o funcionamento das instituições particulares (vale dizer que abriam mão da responsabilidade de mantê-las totalmente), mas não abriam mão do comando sobre tais instituições.” (Ribeiro, 2001. p. 65-66)

É interessante observar o papel das Mantenedoras nesse ponto e relacionar com o que dizemos no item anterior. Nesse caso, fica evidente a manobra por parte delas: conseguir financiamento público, sem perder a propriedade das Instituições de Ensino. Além desse projeto, que foi aprovado no II Encontro de Professores de maio/1983, outra forma de obter recursos públicos foi a venda de projetos de pesquisa e serviços às Secretarias de Estado. Segundo a autora, isso se configurava como novo mecanismo de subsídio, porque nos preços ou custos dos projetos, estava embutido um percentual que tinha o fim de auxiliar na suavização do déficit financeiro da instituição. 

Desde esse período, reconhece-se a importância do debate sobre o caráter das mantenedoras. A esse respeito, ela escreve: 

“Naquele mesmo mês foi publicado um texto (APROPUC Debate, n.15, out./85, p. 6) escrito por mim, ao final da campanha salarial do segundo semestre de 1985, com o objetivo de tornar pública a ideia de que a situação de indeterminação, ou de opacidade em torno do que vinha a ser a Fundação São Paulo, era produto de uma eficiente estratégia dessa mesma Fundação (Mantenedora da PUC-SP) para não assumir suas responsabilidades de custeio, ao mesmo tempo em que não abria mão do ‘direito’ estatutário auto atribuído de mando sobre a universidade. Essa insistência que vinha pelo menos desde 1982,a  respeito da necessidade de que nós tivéssemos clareza sobre a verdadeira ‘cara’ e poder da Fundação São Paulo e da necessidade de, em consequência, colocar para a discussão o Estatuto da Fundação, decorria da convicção de que isso era indispensável, numa luta pelo ensino público e gratuito, dentro de uma escola particular como a PUC-SP. Ainda mais que, no entusiasmo da participação no processo constituinte, em que foi aprovado o novo Estatuto para a universidade, foi por nós alimentada a ilusão de que a universidade tinha autonomia, tinha poder de auto direção.” (Ribeiro, 2001. p. 73-74). 

Uma das conclusões mais importantes desse período, a partir das campanhas salariais, é a de que a mantenedora é o patrão, ela é que é a empregadora, conforme apresentamos no item anterior, pois é ela que determina a relação de propriedade que a Instituição de Ensino está submetida, se pública ou privada. E, portanto, quem é essa mantenedora e a que interesses ela representa se fazia ponto central para a luta por ensino público e gratuito na PUCSP. A resposta para essa pergunta ainda não era clara para o movimento:

“A dificuldade é de tal ordem, pois são tantas as desconversas, são tantas as conversas interrompidas, que chego a supor que essa situação de indeterminação seja produto de uma eficiente estratégia da Mantenedora com o objetivo de, não abrindo mão da direção, isto é, do controle sobre o processo educacional que se desenvolve na PUC-SP, transferir para o aluno e para o Estado toda a responsabilidade sobre os encargos relativos aos custos desse processo, responsabilidade essa que, em parte também seria diretamente sua, enquanto Mantenedora.” (Ribeiro, 2001. p. 75)

A resposta é apresentada ainda no mesmo artigo, discutindo o papel da reitoria ser muito limitado, tendo a Mantenedora o controle do processo educacional. Portanto, a conclusão que ela tira é que é a Igreja Católica o patrão, representada pela Mantenedora. Essa mantenedora, no entanto, se desresponsabilizava de captar recursos particulares para a universidade particular e via no Estado um importante agente de seu financiamento. Ela escreve: 

“Tanto é assim que, antes de 1964, o Estado (governo federal) chegou a se responsabilizar por mais de 75% do orçamento da PUCSP e agora, em 1985, após a aprovação da Emenda Calmon, a Associação Brasileira das Escolas Católicas (ABESC) apresenta uma proposta ao governo federal no sentido de que ele participe em até 30% do orçamento de toda a escola particular que venha a ser considerada como ‘comunitária’.” (Ribeiro, 2001. p.77)

Partindo para as conclusões práticas, diante de um quadro bastante complicado da crise financeira da PUC-SP, é lançado um documento pela Diretoria da APROPUC – na época sob a presidência da professora Zilda M. Gricoli Iokoi e sob a vice-presidência do professor Erson Martins Oliveira – intitulado “A APROPUC frente à crise financeira da PUC e à posição da Reitoria”. No documento afirmavam: 

“[…] temos que levantar uma alternativa de luta contra a crise financeira que tome o problema pela raiz e que esteja em oposição à linha de descarregá-la, mais agudamente ainda, sobre os professores, alunos e funcionários. Essa alternativa só pode ser a do ensino público e gratuito, traduzida na defesa da federalização da PUC.” (Ribeiro, 2001. p.79)

O contexto era de aumento da pressão da Igreja Católica sobre o Estado, de tentativas de aumentar as receitas a partir da elevação das mensalidades. É nesse contexto que se propõe um Congresso Universitário, precedido de ampla mobilização entre os professores, alunos e funcionários que elegeriam seus delegados para definir uma saída para a crise financeira da instituição que se confrontaria entre duas posições antagônicas: a mercantilização do ensino ou o ensino público e gratuito.  

“Em 21 de abril de 1987 é deflagrada uma greve que mobilizou toda a comunidade durante 30 dias: foi iniciada pelos funcionários, mas gradativamente envolveu os professores e alunos; os primeiros reivindicavam o pagamento de atrasados e o reajuste dos salários e os estudantes lutavam contra o reajuste das mensalidades. Pela primeira vez os funcionários ocuparam a Reitoria por 3 dias.”

No Congresso Universitário somente uma tese é apresentada, a tese do ‘‘Ensino Público e Gratuito para a PUC-SP: a federalização’’. Os representantes das outras teses não se apresentam para o congresso e buscam inviabilizar sua realização, afirma a autora. Os grupos ligados à Igreja Católica, não participando do Congresso Universitário, apresentam a proposta de um plebiscito em assembleia da APROPUC, que foi aprovado para os dias 9, 10 e 11 de junho de 1987. 

No plebiscito foram apresentadas três teses. A reitoria apresentou a tese da publicização (a autora não dá muitas informações sobre isso), o professor Ruy César do Espírito Santo apresentou a tese Em defesa da Fundação Mista, que tomava como modelo a Fundação Padre Anchieta (mantenedora a TV Cultura de SP) e o grupo em defesa do ensino público para a PUC-SP apresentou a tese da estadualização. 

É interessante observar a mudança. No documento apresentado para o Congresso Universitário falava-se de federalização, no plebiscito de estadualização. Sobre isso, ela explica que: 

“Havia efetivamente três ordens da razão. A primeira delas dizia respeito à disposição do governo estadual em ampliar o seu atendimento escolar em nível superior. A segunda razão estava na disposição mais concreta da Unesp em ampliar-se. (…) A terceira ordem da razão para a alteração da proposta para estadualização dizia respeito à preocupação do então reitor da Unesp, professor Jorge Nagle, de que o processo de solução dos problemas, enfrentados por instituições culturalmente significativas como a PUC-SP, não viesse a fortalecer a tendência pró-privatização no ensino superior, mas, ao contrário, a fortalecesse o ensino público e gratuito.”  (Ribeiro, 2001. p.80-81)

A partir disso, abriram-se intensos debates na universidade, até que na Assembleia Geral Universitária, realizada em 4 de junho de 1987, o professor Ruy retira a sua proposta e apoia a reitoria. Somente duas propostas vão para o plebiscito: publicização ou estadualização. Para a surpresa e desespero da Igreja Católica, vence a proposta de estadualização.

Sobre a posição da Igreja Católica, a partir de sua derrota no plebiscito, Maria Luisa explica que a perda durou pouco. 

“A Fundação, como já foi considerado no capítulo primeiro, na figura de seu presidente, o cardeal arcebispo metropolitano de São Paulo, no dia 04/08/1987, vem a público para afirmar que o resultado do plebiscito não será aceito pela Mantenedora. Cai a máscara do respeito às decisões internas à universidade.” (Ribeiro, 2001. p. 97). 

No fim, a estadualização não se deu pela falta de interesse do governo estadual em arcar com o ônus que a crise instaurada na PUC-SP tinha alcançado. 

“Mas o governo do Estado de São Paulo não se mostrou interessado em assumir o ônus da PUC-SP, aceitava apenas incorporar o núcleo da Pós-Graduação e um ou outro curso. Por outro lado, Dom Paulo declarou-se contrário ao desfazimento da identidade da universidade católica. O resultado é que, sem viabilidade, a proposta de Estadualização estagnou e se desarticulou.”

Se inicia com a recusa por parte da Igreja de aceitar a decisão plebiscitária da comunidade em tornar a PUC-SP uma universidade pública em 1987 e a posição do governo estadual, a terceira fase do movimento pelo ensino público e gratuito numa universidade particular (1987-1990). Nesse contexto, o movimento dos professores já se encontrava na defensiva, além disso, o contexto mais geral era de privatização e de atendimento aos interesses dos grandes monopólios internacionais, o que fortalecia as tendências mais conservadoras e elitistas no interior da PUC-SP.

Ainda que a estadualização da PUC-SP não tenha de fato acontecido, o voto do plebiscito demonstrou a posição política dos estudantes, professores e funcionários e que sua posição estava em defesa do ensino público e gratuito numa universidade particular. Na prática, demonstraram que é essa a luta histórica do movimento estudantil, dos professores e funcionários nas universidades privadas. Mostraram um caminho a seguir, sua luta mostrou o caráter da Igreja Católica na PUC-SP, das entidades mantenedoras das escolas particulares, desmascarando sua aparência democrática e progressista. Além disso, ficou evidente que o Estado não é nada mais do que o balcão de negócios da burguesia e que, no Brasil, nunca demonstrou interesse em expandir o ensino superior público à universalidade. Por isso, não devemos ter ilusão somente na federalização ou estadualização, mas também reivindicar o controle e a direção para àqueles que nas universidades estudam e trabalham. Essa perspectiva se conecta imediatamente com a necessidade de luta pelo socialismo e pela planificação da economia.  

A luta pela federalização, para ir até as suas últimas consequências, deveria ter enveredado o caminho da greve com ocupação e o controle pelos estudantes e trabalhadores. Esse é o caminho político para questionar não só quem é o patrão (mantenedora, Igreja) como também mostrar que ele não é necessário e auto-organizar o processo educacional e a produção de conhecimento. 

O papel das direções da UNE na defesa dos tubarões do ensino

Texto

Descrição gerada automaticamente
Fonte: Liberdade e Luta

No seu congresso de refundação, em 1979, a UNE defendeu a educação pública, gratuita e estendida a todos. Essa defesa foi muito mais um produto da pressão das bases em luta contra a ditadura militar e em defesa do ensino público e gratuito do que um descuido da direção, que já naquela época, contava com PCdoB à frente, com a eleição de Ruy César Costa Silva, membro do PCdoB desde 1970. A defesa do ensino público e gratuito para todos foi inscrita na Carta de Princípios do Congresso de Refundação, a contragosto da direção majoritária. A antiga Liberdade e Luta fez parte desse combate, que também reivindicamos. 

Progressivamente, a direção majoritária da UNE – encabeçada pelo PCdoB e composta pelo PT, Consulta Popular, Levante Popular da Juventude e PDT – vai abandonando essa bandeira fundamental e passa a defender as políticas de transferência de verbas públicas para as universidades privadas. Fundamentalmente, essa política estava primeiro orientada pelo abandono de uma posição da direção da UNE, isso a fez apoiar a chapa Tancredo-Sarney, pois o PT decidiu não participar das eleições e, posteriormente, a adotar uma postura de apoio às decisões do governo. A direção da UNE foi empurrada pela base a entrar no combate pelo Fora Collor e imediatamente após a sua queda, a apoia Itamar Franco, seguindo a linha da traição cometida pelo PT, encabeçado por Lula. 

Durante o governo FHC todo o caráter privatista dos oito mandatos, a direção da UNE atuou com uma postura equilibrada de apoiar as greves somente onde elas já tinham sido deflagradas e, na prática, isolando as greves locais. Essa posição, não muito diferente da atual, serviu de freio para o desenvolvimento da luta a nível nacional e contribuiu para o aprofundamento dos ataques à educação pública. 

No 41º Congresso da UNE, realizado em 1999 em BH, com a presença de Fidel Castro, a UNE aprova as consignas Fora FHC e Fora FMI, depois de muita pressão vinda das bases, quase levando a posição contrária a aprovação das consignas – defendida pela direção majoritária – à derrota. 

Nos anos 2000, com a eleição de Lula, a direção da entidade passa a atuar como braço de apoio de todas as políticas de transferência de verba pública para a universidade particular. Isso se deu pelo apoio ao PROUNI, ao FIES e diversas outras medidas. Cumprindo religiosamente essa função, a mesmo direção da UNE de hoje levou a entidade a ir abandonando na prática a defesa do ensino público e gratuito para todos. Em seu último Congresso, o 57º CONUNE de 2019, a entidade chegou a apresentar em um dos debates do Congresso o tema “Ensino Privado: o financiamento estudantil como forma de acesso ao ensino superior.” 

Hoje, com os ataques a educação pública e a ciência promovidos pelo governo Bolsonaro, a direção da UNE apresenta palavras de ordem genéricas, como a defesa da educação em abstrato, e isolam as greves locais. Na prática, a direção da UNE, encabeçada pelo PCdoB, transformou a entidade em uma ferramenta velha e enferrujada para os estudantes, mas muito útil para os tubarões do ensino. Ao não se posicionar claramente e abandonar a defesa do ensino público, gratuito e para todos, a direção da UNE colocou a entidade no campo do apoio a expansão do ensino superior privado, abrindo espaço para os tubarões do ensino irem engolindo a educação pública – desde a educação básica até a pesquisa e a ciência. 

É essa política, que não tem nada a ver com a juventude e com seus interesses fundamentais, que levou a entidade à sua constante burocratização e aos congressos e eleições fraudulentos, ao monopólio da carteirinha estudantil, etc. Não é a entidade que combatemos, a política encabeçada por uma direção traidora. Para a organização e a defesa dos interesses em sindicatos de estudantes, tudo. Para as direções traidoras e a usurpação dos instrumentos de organização e mobilização, nada. 

Federalização sob controle dos que estudam e trabalham

A nossa luta pela educação pública, gratuita e para todos hoje é, em primeiro lugar, uma luta contra o governo Bolsonaro. Mas não nos limitamos a figura em si, ele somente representa a política do capital de esmagar os direitos e conquistas da classe trabalhadora, entre eles, a educação pública. Para a burguesia não se trata de um capricho, mas de uma necessidade vital para a manutenção dos seus lucros em tempos de crise. Nessa luta de morte, é na conciliação de classes – negociação das organizações dos trabalhadores e da juventude com o governo – que se apoia a burguesia. Ela não poderia avançar com sua sanha privatista sem o apoio das direções dessas organizações, que tratam de frear a mobilização e a disposição de luta da juventude e trabalhadores. Por isso, essa luta também se traduz na insistente denúncia do papel traidor dessas direções. 

Ao mesmo tempo, não podemos acreditar que não estamos negociando com o governo ao apresentar pautas parciais. À medida que nos posicionamos contra os cortes na educação pública e na ciência, também devemos nos posicionar contra os interesses gerais da burguesia na educação e contra a própria lógica capitalista. A luta pelo ensino público, gratuito e para todos representa esse posicionamento – um posicionamento de enfrentamento com a ordem vigente, com o capitalismo e com seus representantes. 

Nas universidades privadas essa política se traduz na luta pela federalização. Essa luta compreende a defesa de dinheiro público para universidades públicas, portanto, se universidades privadas recebem dinheiro público, estas devem ser federalizadas. 

Os estudantes das universidades privadas que sofrem semestre após semestre com a lógica do capital foram abandonados por essa direção traidora da UNE, que somente se lembra deles na época de eleições. Na prática, a direção da UNE despolitizou milhares de estudantes das universidades privadas para ir fazer discursos contra a mercantilização do ensino nas públicas. Uma completa farsa. Com esse artigo, esperamos esclarecer que os estudantes das universidades privadas, a maioria dos jovens universitários do Brasil, tem uma luta que é histórica e revolucionária. 

Essa luta não se encerra por si mesma, a federalização das universidades privadas não pode manter a inexistente autonomia universitária. Para nós, mesmo a federalização, sob o sistema capitalista, não é o fim em si mesmo. O controle dos que estudam e trabalham nas universidades é fundamental para combater a alienação do processo educacional e do processo de produção cientifica. Para isso, com a federalização das universidades privadas, não abrimos mão de seu controle nas mãos daqueles que estão nelas diariamente. 

É através do controle operário e democrático nas mãos dos que estudam e trabalham que as universidades poderão planificar a produção de conhecimento, fazendo com que o ensino, a pesquisa e a extensão realmente façam sentido para os estudantes e trabalhadores, para que nós possamos ver algum sentido social nos trabalhos de conclusão de curso, nas pesquisas científicas, etc. O processo de desalienação começa quando tomamos a produção em nossas próprias mãos.  Isso também se aplica na educação. Esse controle democrático da universidade nas mãos dos que nela estudam e trabalham deve estar conectado com a planificação geral da economia para a satisfação das necessidades da humanidade e da natureza. 

“A elaboração de um plano econômico, mesmo elementar – do ponto de vista do interesse dos trabalhadores e não dos exploradores – é inconcebível sem controle operário, sem que os operários voltem seus olhos para todas as energias aparentes e veladas da economia capitalista. Os comitês de diversas empresas devem eleger, em oportunas conferências, comitês de trustes, de ramos de indústrias, de regiões econômicas, enfim, de toda a indústria nacional em seu conjunto. Assim, o controle operário tornar-se-á a ESCOLA DA ECONOMIA PLANIFICADA.” (Trotsky, 1938. Programa de Transição)

A nossa luta nas universidades privadas

Como vimos, muitos são os problemas enfrentados pelos professores, funcionários e estudantes nas universidades privadas. Os ataques são muitos (EAD, demissão de professores, falta de estrutura, aumento progressivo das mensalidades, cortes em bolsas e descontos, etc.), além desses a flagrante falta de autonomia universitária e a repressão da organização dos estudantes e trabalhadores no seu interior ou a própria traição dos dirigentes estudantis que não organizam os estudantes. Nessas universidades, o que mais pega, de forma geral, são as lutas econômicas, que em primeiro lugar, tem como função garantir a permanência do estudante no curso superior. Por isso, não podemos adotar uma postura sectária com relação às lutas como a redução de mensalidades. Quando elas ocorrem, fruto das próprias necessidades dos estudantes, devemos nos colocar em combate como os mais resolutos e os que levam essa luta até suas últimas consequências, neste caso, o fim das mensalidades. Se formos direção em Centros Acadêmicos, podemos impulsionar semanas de mobilização pela redução das mensalidades e nelas ampliar o debate em direção às nossas bandeiras fundamentais discutidas nesse artigo. Nosso papel é elevar as lutas econômicas em direção as lutas políticas dos estudantes. Ainda se estivermos em posição de direção, nosso combate é por transformar os CAs, DAs e DCEs em verdadeiros sindicatos de estudantes. Isso se dá com tudo que explicamos sobre o tema (livre, de base e socialista), partimos das lutas concretas e as elevamos em direção ao socialismo. A aplicação das nossas bandeiras deve ser feita à luz de qual a melhor tática para nos aproximar do conjunto dos estudantes e aproximar e recrutar os mais avançados, ou seja, aqueles que querem uma solução radical aos problemas enfrentados na educação e na sociedade. 

Outras referências:

[1] Censo da Educação Superior 2019. Disponível em: https://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/documentos/2020/Apresentacao_Censo_da_Educacao_Superior_2019.pdf

[2] Disponível em: < https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-86502002000900001>

[3] Informações disponíveis em: https://ufrj.br/acesso-a-informacao/institucional/historia/#:~:text=Em%207%20de%20setembro%20de,Rio%20de%20Janeiro%20(URJ). Acesso em 19/03/2021

[4] Ver mais na pesquisa de Carlos Benedito Martins “A reforma universitária de 1968 e a abertura para o ensino superior privado no Brasil”. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302009000100002

Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/eu-estudante/ensino_ensinosuperior/2017/08/31/ensino_ensinosuperior_interna,622359/mec-divulga-o-censo-da-educacao-superior-de-2016.shtml

Disponível em: <https://imirante.com/oestadoma/noticias/2017/09/02/enade-divulgado-perfil-do-estudante-do-ensino-superior/

Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/em-2023-instituicoes-privadas-terao-mais-alunos-no-ensino-distancia-que-no-presencial-22702702>

Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/financiamento-estudantil-inflacionou-mensalidades-em-ate-20-modelo-e-insustentavel-esdkcwfa6q4eeurryc62jv8z3/>

Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/dados-do-censo-da-educacao-superior-as-universidades-brasileiras-representam-8-da-rede-mas-concentram-53-das-matriculas/21206

Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/em-2023-instituicoes-privadas-terao-mais-alunos-no-ensino-distancia-que-no-presencial-22702702>

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Disponível em: <https://falauniversidades.com.br/nova-onda-de-demissao-nas-universidades-privadas/>

Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2013/08/faturamento-de-faculdades-privadas-cresce-30-em-2-anos-estima-estudo.html>

Disponível em: <https://www.pressreader.com/brazil/valor-economico/20180116/281908773552484>

Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/lenin/1916/imperialismo/index.htm>

Disponível em: <https://blog.abmes.org.br/as-relacoes-de-poder-entre-mantenedora-e-mantidas-das-instituicoes-educacionais-de-capital-estrangeiro-tendo-em-vista-a-legislacao-em-vigor/>

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12101.htm

Disponível em: <https://guiadoestudante.abril.com.br/blog/atualidades-vestibular/por-que-instituicoes-religiosas-nao-pagam-imposto-no-brasil/>

Disponível em: <file:///C:/Users/55119/Downloads/179-Texto%20do%20artigo-511-1-10-20190717.pdf>

Disponível em: <https://www.pucsp.br/comissaodaverdade/comunidade-academica-breve-historia-da-puc.html>

Disponível em: <https://www.pucsp.br/comissaodaverdade/comunidade-academica-construcao-da-democracia.html>Disponível em: <https://une.org.br/presidentes/ruy-cesar-costa-silva/>

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