Abaixo o “bolsa estupro”! Abaixo o PL 5435/2020! Pelo aborto seguro, legal e gratuito para todas!
Voltou a circular no Senado um projeto de lei que, como outras iniciativas anteriores, afronta o já combalido direito das mulheres realizarem abortos mesmo dentro dos casos já previstos na legislação brasileira.
O PL 5435, de autoria do senador Eduardo Girão (Podemos), dispõe sobre o que ele chama de “Estatuto da Gestante”, mas traz em suas entrelinhas uma tentativa de ataque aos direitos das mulheres.
Um dos primeiros aspectos que devemos compreender é que o PL usa uma série de termos que denotam sua concepção moralista supostamente cristã, e não uma perspectiva da ciência ou das conquistas da classe trabalhadora em relação ao tema do estupro, do direito ao aborto e da maternidade como escolha consciente da mulher. Já no artigo 1º ele afirma que “esta lei dispõe sobre a proteção e direitos da Gestante, pondo a salvo a vida da criança por nascer desde a concepção”. Ou seja, o direito do embrião ou da “vida da criança por nascer desde a concepção” se sobrepõe à vida e aos direitos da mulher.
No artigo 5º é apresentada a perspectiva de que haverá algum tipo de convencimento para que a mulher, que passou pela violência do estupro, não realize o aborto, envolvendo, não só o SUS, mas entidades do Estado e da sociedade civil. É apresentada também como “opção”, a adoção da criança, como se o fato de uma mulher vítima de estupro manter uma gestação por 9 meses não fosse mais uma violência cometida contra ela:
“Às mulheres que vítimas de estupro vierem a conceber, será oportunizado pelo SUS junto às demais entidades do Estado e da sociedade civil, a opção pela adoção, caso a gestante decida por não acolher a criança por nascer”
Nesse ponto demonstra-se a hipocrisia da moral burguesa, afinal, sabemos da quantidade de crianças que não são adotadas por não se encaixarem em um padrão bastante específico procurado pela maioria das famílias que buscam a adoção: bebês brancos e sem nenhuma deficiência. Centenas de crianças e adolescentes que não entram no padrão são deixados nas diversas instituições, sem nenhuma política séria do Estado e em uma realidade de sucateamento da educação pública e das políticas de acesso ao lazer e à cultura.
Seguindo o texto do PL, no artigo 8º afirma-se que “É vedado a particulares causarem danos à criança por nascer em razão de ato ou decisão de qualquer de seus genitores.” Ou seja, a partir dos diversos entendimentos que esse texto pode ter, pode-se considerar que a decisão da mulher de interromper uma gestação, em qualquer situação, é um dano à “criança por nascer”, levando à criminalização da mulher. Com isso, estabelecem-se mais barreiras ao direito ao aborto, mesmo nos casos já previstos em lei.
Aparece também no texto o termo “genitor”, que de forma ampla, dá a entender se tratar do pai da criança, mesmo em caso de estupro.
“§ 3° Identificado o genitor da criança por nascer ou já nascida, será este responsável por alimentos gravídicos e pensão alimentícia nos termos do que determina a legislação.”
(…)
“Art. 10º O genitor possui o direito à informação e cuidado quando da concepção com vistas ao exercício da paternidade, sendo vedado à gestante, negar ou omitir tal informação ao genitor, sob pena de responsabilidade”.
Nesse ponto, tem-se questionado se a real intenção do PL é afirmar que o agressor tem direito de saber que é o pai da criança que virá a nascer, tendo seus direitos de pai, no caso estuprador, garantidos. Ora, o estupro não se trata somente de uma relação sexual, mas de uma violência e de uma relação de poder de um agressor sobre sua vítima. Nesse sentido, é no mínimo absurdo tentar convencer a vítima a manter uma gestação e identificar o “genitor”, que deverá assumir suas supostas responsabilidades.
Projetos de lei desse tipo, propostos pelos quadros mais reacionários do legislativo e do governo federal, expressam sua concepção moral e religiosa de Estado, ignorando a necessária laicidade de suas ações, partindo de uma concepção de que as relações familiares se constroem apenas a partir das questões biológicas. Desconsideram as questões culturais, afetivas e as relações sociais de produção em que estamos inseridos e impõem sua concepção burguesa de família, pautada na hipocrisia das relações econômicas. Pregam uma família ideal, ignorando o papel nefasto que desempenham na destruição das famílias trabalhadoras – o que tem se agravado pela atual crise do capitalismo e pela pandemia – impondo relações familiares irreais.
Mas se o problema dessas mulheres que sofrem estupro é dinheiro para manter um filho, o senador apresenta a “solução”:
“Art. 11º Na hipótese de a gestante vítima de estupro não dispor de meios econômicos suficientes para cuidar da vida, da saúde, do desenvolvimento e da educação da criança, o Estado arcará com os custos respectivos de um salário-mínimo até a idade de 18 anos da criança, ou até que se efetive o pagamento da pensão alimentícia por parte do genitor ou outro responsável financeiro especificado em Lei, ou venha a ser adotada a criança, se assim for a vontade da gestante, conforme regulamento.”
Escancara-se aqui a percepção do criminoso como pai responsável pela criança, a falácia de que o Estado vai se responsabilizar pela vida, saúde, desenvolvimento e educação dela e a tentativa de convencimento para que a mulher dê prosseguimento à essa gestação optando então pela adoção da criança. Nada mais hipócrita vindo de um senador cujo partido tem como função atacar os direitos dos trabalhadores.
Em seu relatório, a senadora do PL, Simone Tebet (MDB), retirou este artigo que cria o auxílio financeiro, mas, para nós, isso não significa que esse PL deva ir para debate no plenário. Os problemas desse PL não estão apenas na esfera técnica, como alguns críticos afirmam. Para nós, mulheres trabalhadoras, a questão não é, por exemplo, a falta de indicação da fonte de custeio do auxílio – exigência feita pela Lei de Responsabilidade Fiscal – até porque, ao fim e ao cabo a LRF serve para limitar os investimentos do Estado nos serviços públicos e priorizar o pagamento da dívida pública.
O problema do PL está em sua própria existência! Na sua concepção, ligada a uma visão moralista, reacionária e religiosa do Estado e na intenção de dificultar o acesso ao aborto pelas mulheres, mesmo nos casos previstos em lei. Este senador, assim como a ministra Damares e o presidente Bolsonaro, buscam criar decretos, leis, procedimentos e normativas que causam mais violência contra as mulheres vítimas de estupro, com um discurso demagogo de proteção da “vida desde a sua concepção”.
A prática do aborto é acessível para as mulheres que podem pagar por ele. Já para as mulheres trabalhadoras, resta correr risco de morrer nas clínicas clandestinas. Por isso, defendemos o direito ao aborto público, gratuito e para todas as mulheres no SUS. Basta de ataques aos direitos das mulheres trabalhadoras! É preciso que nos organizemos para lutar contra os retrocessos e pelas liberdades democráticas. E hoje nossa luta passa pelo Fora Bolsonaro já! Organize-se!
- Abaixo PL 5435/2020!
- Aborto seguro, legal e gratuito para todas!
- Fora Bolsonaro, já! Por um governo dos trabalhadores, sem patrões nem generais!
Publicado originalmente em MARXISMO.ORG