Incêndio na Unesp de Rio Claro: Uma tragédia intencional do capitalismo nas universidades públicas brasileiras
Na última quarta-feira, 31/08, um incêndio iniciou-se no laboratório de Zoologia e se alastrou rapidamente, destruindo partes importantíssimas do prédio do Instituto de Biociências da Unesp, campus Rio Claro, no interior de São Paulo. Tudo indica que o fogo iniciou por um curto circuito que rapidamente consumiu o forro de PVC e toda a fiação.
Além da perda de equipamentos, inúmeras pesquisas, ossos, animais em conserva, empalhados e coleções didáticas datadas de 1959 foram incineradas, perdas inestimáveis para professores e estudantes, o que foi colocado como profundo “descaso” do poder público.
Na perspectiva de classe, é fundamental considerar que não é um descaso no sentido de esquecimento, descuido das autoridades. É verdade que as ditas autoridades, ou seja, a casta sanguinária que gere o orçamento público e os abutres da iniciativa privada que o repartem, não dão a mesma importância à Universidade que os estudantes, professores/as e funcionários/as. Isso é nítido. Mas esse descaso não é algo acidental, é uma situação intencional por parte das autoridades. Isso porque existem prioridades orçamentárias do dinheiro público, uma característica fundamental do sistema em que vivemos, o modo de produção capitalista.
No Brasil, vimos museus pegando fogo também por falta de manutenção, como o Museu da Língua Portuguesa, em 2015, o Museu Nacional do Brasil em 2018 e inclusive em Rio Claro, em 2010. Na mesma direção, vemos diariamente universidades importantíssimas como a UFRJ, IFs e outras unidades de ensino ameaçando fechar as portas por falta de recursos básicos. Nas proximidades, a UFSCar campus Araras também enfrenta insuficiência de recursos para manutenção e a consequência disso normalmente são problemas de iluminação, de segurança, falta de recursos à moradia e risco iminente de incêndio.
No caso da Unesp de Rio Claro, que é a situação de várias outras universidades e escolas no Brasil, foi constatado pelo corpo de bombeiros que o prédio (assim como os demais do campus) funcionavam sem o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB), o que significa dizer que nada garante que os meios de combate ao incêndio, como extintores para fogo químico no laboratório, estavam em condições de uso ou sequer estavam disponíveis nas proximidades. No vídeo a seguir, vemos um dos bombeiros questionando o não funcionamento de um hidrante, sendo informado que o sistema de abastecimento contraditoriamente derreteu com o incêndio, sendo necessário acionar caminhões pipa ao local.
Origens do “descaso”
Há décadas há alguma mobilização de professores e diretores em relação aos repasses de verbas públicas, provenientes em especial do ICMS, para que fossem revertidas em melhorias no campus e na moradia. Dentre essas melhorias, a manutenção para evitar os frequentes curto circuitos, quedas de energia, queima de lâmpadas e outras situações que vinham gerando a interrupção de aulas, pequenos incêndios e uma onda de assaltos pela iluminação precária.
No entanto, apesar da Unesp ser estadual, houve severos limites impostos por medidas políticas do passado e do presente. Desde a Emenda Constitucional 95, que limitou investimentos públicos por 20 anos; a Reforma Trabalhista, que ampliou a uberização do trabalho e a contratação de terceirizados para atividade fim, diminuindo severamente o salário e os direitos trabalhistas; o Plano de Reestruturação das Unesps que colocou em pauta a fusão de departamentos para diminuir o quadro mínimo de professores efetivos e ainda abrir portas para agências do Santander em parasitar as verbas públicas.
Isso reflete direta e substancialmente nas migalhas que chegam às universidades, migalhas que sobram do maior câncer orçamentário, que é a Dívida Pública interna e externa, que acomete entre 40 e 50% do Orçamento da União todos os anos. Ou seja, do cano que jorra o dinheiro público para banqueiros e especuladores por juros e amortizações, as pequenas gotas que são repassadas são ainda divididas entre prestadoras privadas, especuladas por bancos como o Santander e nada sobra para os serviços essenciais, para as condições dignas de trabalho e estudo a professores e alunos, à pesquisa, à infra estrutura, adequação ao que pede o AVCB, como meros extintores.
Essa é exatamente a natureza do Estado burguês, que dias atrás, ironicamente, o próprio diretor do Instituto de Biociências declarou apoio ao ler e aprovar a “Carta aos brasileiros e brasileiras em defesa do Estado Democrático de Direito”, o nome juridicamente perfumado da máquina opressiva e sanguinária da burguesia que zomba das reivindicações da classe trabalhadora e da juventude enquanto permite o parasitismo dos recursos públicos e garante a repressão violenta pela polícia e pelo cárcere a quem se opõe à situação de miséria.
Ao fim, a função da universidade no capitalismo se resume em apresentar números e servir os interesses mercadológicos dos financiadores e corporações privadas, fazendo com que os sonhos de professores, funcionários e estudantes em contribuir para o progresso do conhecimento humano não caibam nos limites políticos e econômicos que despejam sobre nós.
Estudantes em luta
No mesmo dia do incêndio, uma reunião pelo google meet foi convocada às pressas no grupo de whatsapp do Conselho de Centros Acadêmicos e contou com a participação de cerca de 150 pessoas, mesmo que inicialmente o plano fosse se reunir no dia seguinte. Rapidamente foi organizado um ato na praça em frente ao campus, que reuniu cerca de 300 pessoas, majoritariamente estudantes e professores.
As falas de pesar vieram junto às falas de revolta, com experiências pessoais dos alunos e relatos históricos de professores que vivenciaram problemas semelhantes há 40 anos naquele mesmo campus. No entanto, algumas falas representando organizações como a Juventude Pátria Livre (JPL, vinculada ao Partido Pátria Livre) e do PSOL, apesar de solidárias ao acontecimento, ressaltaram a importância da “democracia brasileira”, do processo democrático, das instituições e das eleições para evitar essas situações e reverter as relações de poder.
A Esquerda Marxista esteve presente e interviu em defesa das liberdades democráticas e dos direitos como à educação, mas apontando que é justamente pela farsa da democracia burguesa que nos vemos na situação em que os estudantes, professores e funcionários, os que de fato conhecem as dificuldades e necessidades do campus, não tenham poder algum na tomada de decisões orçamentárias, o que transpassa o contexto econômico ao político, de funcionamento da sociedade burguesa. Nas palavras de Lenin, “a política é a expressão concentrada da economia”
Nesse sentido, apontamos que a bandeira histórica da UNE pela “Educação Pública, Gratuita e Para Todos”, há muito tempo abandonada pelas últimas direções, traz a necessidade de “todo investimento necessário para a educação”, que por conseguinte traz a luta pelo Fim do Pagamento da Dívida Pública, o câncer orçamentário. Apontando pela retomada imediata dessa bandeira pelos estudantes de todos os campi do Brasil apesar da inércia de suas direções.
No mesmo sentido, alguns professores ressaltaram que esse modelo de democracia é uma piada, rechaçando todo o aparato estatal da burguesia e seus representantes, apontando como entrave ao desenvolvimento científico das universidades, o que de fato contribuiu para a consciência dos estudantes que, indignados, viram a necessidade de se reunir, tirando encaminhamentos para os próximos passos.
Os desafios a seguir passam por contatar outros campi que enfrentam a mesma situação, o que também foi aprovado em assembleia. Além de identificar as origens do problema, a solução continua sendo a mobilização dos estudantes a nível local, estadual, nacional e internacional, repudiando as regras do jogo e se lançando a enterrá-las na lata de lixo da história. A Esquerda Marxista e a Liberdade e Luta estão ombro a ombro à juventude e trabalhadores das universidades.
Educação Pública, Gratuita e Para Todos!
Todo investimento necessário para a educação!
Fim do pagamento da Dívida Pública!
Por um governo dos trabalhadores, sem patrões nem generais!
Pela revolução socialista!