O Marketing da Caridade: a Volkswagen e o Colégio Estadual do Paraná

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Com toda a pompa e banda, no dia 06 de dezembro, o governador Beto Richa apresentou o projeto de restauração do prédio do Colégio Estadual do Paraná, em parceria com a empresa Volkswagen. O projeto leva a assinatura do escritório da PJJ Malucelli Arquitetura e a reforma está orçada em módicos R$ 20 milhões. Obras em escola, em ano eleitoral, reunindo tanta gente chique e elegante nos trazem três tipos de preocupações: uma tributária, uma ideológica e uma política.

Dando bom dia com o chapéu alheio

Todos temos acordo que é urgente e necessária a reforma do Colégio Estadual do Paraná, e isso não se discute. Mas nós queremos perguntar quem está, de fato, pagando essa conta. O acordo de restauro é uma espécie de contrapartida social pelo fato da empresa alemã receber incentivos fiscais do programa Paraná Competitivo, do governo paranaense.

O programa Paraná Competitivo foi implementado a partir de 2011 com o objetivo de atrair investimentos para o estado, oferecendo para as empresas a dilação de prazos para o recolhimento de ICMS, com descontos que podem variar de 20% a 90% desse imposto. Ou seja, renúncia fiscal, que é boa para garantir os lucros das empresas, mas que retira recursos da saúde e da educação.

Em 2014, um estudo patrocinado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), investigando o impacto da Guerra Fiscal entre os estados brasileiros trouxe dados alarmantes, estimando em R$ 4 bilhões o valor da renúncia fiscal do Paraná em 2012, portanto, no ano seguinte a implantação do Paraná Competitivo. Esse valor corresponderia a 22% da arrecadação total do imposto. O número é estimado porque o Paraná, junto com Ceará, se destacavam no cenário nacional por sonegarem informações sobre o impacto da renúncia fiscal em seus orçamentos.

Mas alguém poderia objetar que a produção industrial e a geração de empregos, decorrentes dos investimentos conquistados, acabam estimulando a economia local, compensando a renúncia fiscal. Bom, qualquer avaliação nesse sentido precisaria de dados. No final de 2013, a Volkswagen participou do programa Paraná Competitivo. Só que o governo paranaense não divulgou as condições desse acordo para o público em geral. Não sabemos o tamanho da renúncia fiscal. Mas ao que parece, foi o suficiente para a Volkswagen se convencer a investir R$ 520 milhões na ampliação de sua planta em São José dos Pinhais, anunciando uma possível geração de 400 a 700 novos empregos.

A modernização da fábrica se realizou de fato, e com a devida (e misteriosa) contribuição do povo paranaense. Mas a crise econômica derrubou a produção da Volks de cerca de 840 para apenas 370 veículos por dia. Nenhuma nova vaga foi criada. A empresa permanece com os mesmos 3 mil postos de trabalho, mas agora, com agravantes. Seus funcionários estão sujeitos a planos de demissão voluntária e layoffs. Foram os primeiros no país a aceitar o Programa de Proteção ao Emprego, reduzindo a jornada e os salários em 20%, com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador. Recentemente, os empregados da Volks aceitaram uma perda real de seus salários em pelo menos 10% até 2018, para evitar demissões em massa. Do ponto de vista da geração de empregos, a Volks foi um mau negócio.

Mesmo com sua capacidade ociosa, e com a fraca recuperação econômica, a empresa anunciou em agosto desse ano a retomada de seus ‘planos’ de investimento, contando com os subsídios do governo paranaense através do seu programa Paraná Competitivo. A reforma do CEP é só o trocado dessa negociação, que novamente, não teve seus termos divulgados na grande imprensa. Com a vantagem da reforma do CEP ainda ser usada pela empresa como uma peça de marketing social. Por outro lado, nós gostaríamos de avaliar o tamanho da generosidade da Volkswagen em relação ao montante de recursos públicos que deixamos de recolher para financiar a modernização e a ampliação do seu parque fabril.

O privado é que é bom

Mas a coisa não se reduz a associar a imagem de uma empresa multinacional às reformas de uma escola pública. Há um simbolismo que vai além de uma ação de propaganda institucional. Em um momento de grave crise econômica, saúde e educação deveriam ser as prioridades. Mas o governo estadual favorece poderosos grupos econômicos e promove cortes substanciais em seus serviços essenciais. O orçamento para a educação em 2018 é 11% menor do que o de 2017. O resultado é um sucateamento sem precedentes da escola pública. O governo Beto Richa está promovendo cortes nos salários dos educadores (as), na merenda escolar, em programas e projetos como Educação Prisional e CELEM. Aliás, no mesmo dia que o governador Beto Richa apresentava o projeto de restauro do CEP, diretores de outras escolas públicas da capital estavam na Comissão de Educação da ALEP para reclamar o fechamento de turmas em seus estabelecimentos de ensino.

Em meio a esse mar de escolas precarizadas, o Colégio Estadual do Paraná verá enfatizada ainda mais sua condição de exceção, pelo menos no que diz respeito às suas instalações. Um modelo de parceria público-privada, a propagandear uma suposta eficiência da iniciativa privada (mesmo que generosamente recompensada com incentivos fiscais, como sabemos). É obvio, isso não é responsabilidade dos profissionais daquela instituição. Mas fruto de uma perspectiva ideológica privatista, que considera a Escola Pública não como um bem coletivo, mas como uma instituição assistencialista.

O espectro da Quadro Negro ronda o governo Richa

Enfim, a questão política. Nesse segundo semestre de 2017, o Governo Beto Richa andou acelerando reformas cosméticas em escolas públicas dentro do programa Escola 1000. Já a reforma do CEP deve se iniciar em pleno ano eleitoral (2018). Alguns dias antes, no entanto, o  Ministério Público anunciava a ampliação da Operação Quadro Negro, que investiga a relação entre empreiteiras, agentes públicos, obras não terminadas em escolas e financiamento de campanhas eleitorais. Há delações que indicam o envolvimento do próprio governador Beto Richa no esquema. Precisamos cobrar celeridade nessas investigações.

Quanto a quem ainda gosta de se iludir com a ética e a responsabilidade de empresas capitalistas em contraste com a ineficiência estatal, as empresas e grupos envolvidos com a reforma do CEP tem já em seu histórico alguns episódios comprometedores. O poderoso grupo J Malucelli, que opera na construção civil, bancos e empresas de comunicação, esteve envolvido no consórcio da Usina de Belo Monte, e tem fortes vínculos políticos, como a relação com o  PODEMOS (antigo Partido Trabalhista Nacional, atual partido do ex-governador Álvaro Dias). A própria Volkswagen esteve envolvida recentemente em um grande escândalo internacional de fraude nos resultados de emissão de poluentes.

A nossa obrigação é defendermos a Educação Pública. Reformas de escolas como o Colégio Estadual do Paraná interessam a todos os paranaenses. Mas poderiam ser feitas sem renúncias fiscais duvidosas, acordos sigilosos ou licitações fraudulentas.

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