Violência contra a mulher e a punição de estupradores: qual a posição dos marxistas?
Man hand oppressing or pressing woman wrist on the wall – woman violence concept
Dois casos recentes de estupro tiveram grande repercussão: um envolvendo o jogador de futebol Robinho, reacendido a partir de sua tentativa de retorno ao Santos Futebol Clube, outro, o absurdo caso que teve Mariana Ferrer como vítima, em que a polícia e a justiça demonstraram sua podridão negligenciando provas, constrangendo Mariana e, ao final, absolvendo o acusado.
Estes são dois casos em meio a outros tantos no Brasil e no mundo, mas que ganharam projeção e trouxeram um debate sobre qual deve ser a posição da esquerda em relação à punição de estupradores. Para discutir a questão, vamos partir de alguns argumentos trazidos pelo PCO, o Partido da Causa Operária.
Em artigo assinado pela redação do portal do PCO, posicionando-se sobre o caso Robinho, eles argumentam:
“Essa parcela da esquerda que pede penas, prisão, etc., promove uma incoerência política profunda. Essas questões de punições não modificam a sociedade e não melhoram a situação de ninguém. Esse método não libertará ninguém. A mulher, assim como os demais setores oprimidos da sociedade, não serão libertados pela PM, por juízes ou pelo sistema carcerário brasileiro. Qualquer apoio dado a esse sistema repressivo, desumano, caminha no sentido oposto da libertação das pessoas”.
Como marxistas, temos plena compreensão do papel da justiça, da polícia, e do conjunto do Estado no capitalismo. A Justiça e todo o aparato repressivo estatal servem para manter os negócios e os interesses da classe dominante, tendo como função central a defesa da propriedade privada dos grandes meios de produção. Dito isso, a questão que se coloca é: defender qualquer punição ou prisão no atual regime significaria alimentar ilusões nas instituições do Estado capitalista?
Extrapolando o caso em questão, mas seguindo a lógica dos argumentos, seria então um erro lutar para condenar e prender quem mata e manda matar um militante de esquerda (como Marielle), ou uma juíza que escreve na sentença que está condenando um negro “em razão de sua raça”, cometendo claramente o crime de racismo.
Nestes casos e em outros, incluindo os casos de estupradores, defendemos sim a prisão dos que cometeram estes crimes. Não porque consideramos que a polícia ou a justiça burguesa salvará nossas causas. Mas porque travar este combate pode mobilizar uma base, inclusive contra a justiça e a polícia, demonstrando todo o caráter de classe dessas instituições. Nesse combate, evidenciar que enquanto milhares são presos sem julgamento ou por pequenos crimes, ou simplesmente por lutar contra os interesses da burguesia, ricos e poderosos saem ilesos até quando existem provas de que cometeram graves crimes.
Os argumentos do PCO miram na esquerda que cede às posições identitárias e os que apoiam ações do judiciário, como a prisão de Lula na Lava Jato. A Esquerda Marxista e o Movimento Mulheres Pelo Socialismo não se enquadram em nenhum dos dois grupos. Somos contra a visão pequeno-burguesa, pós-moderna, identitária, no combate à opressão às mulheres, e temos permanentemente denunciado as ações bonapartistas do judiciário e sua conduta de pisotear os próprios princípios jurídicos criados pela burguesia em sua fase de ascensão, como a presunção da inocência, ou a necessidade de provas para uma condenação.
A posição em cada caso precisa partir do que é concreto e do ponto de vista da luta de classes. Seria um erro fazer coro com denúncias infundadas sobre machismo. Só que no caso Robinho, posicionar-se em defesa dos direitos do jogador que estaria enfrentado o “Estado italiano” e considerar os que se colocaram contra ele como promotores de uma “histeria” e uma “caça às bruxas” é uma distorção diante das provas públicas e contundentes de que o crime de estupro foi sim cometido, com as gravações de diálogos do jogador, ele dizendo em um deles: “estou rindo, porque não estou nem aí, a mulher estava completamente bêbada. Não sabe nem o que aconteceu”, e depois, ao continuar a conversa, assume na prática que cometeu o estupro de uma mulher em situação vulnerável. A razão pela qual uma organização de esquerda, o PCO, se viu na necessidade de sair em defesa desse personagem repugnante, é difícil de compreender.
Portanto, não estamos de acordo que exigir qualquer tipo punição seja coadunar com o Estado burguês e sua justiça, mesmo porque quando se trata de estupro, é preciso considerar que este é naturalizado pelo capitalismo, com a tendência a culpar a vítima pelo ocorrido, herança da opressão milenar sobre a mulher que o atual sistema perpetua, onde ela é vista como ser inferior, objeto e propriedade do homem.
A violência contra a mulher atrelada, portanto, à formação das classes sociais, faz com que a luta contra o machismo, a violência e o estupro, esteja necessariamente ligada à luta contra o sistema capitalista. E nessa luta, é preciso levantar as reivindicações transitórias, dentre elas, a prisão de quem pratica um ato bárbaro como o estupro.
Em outro artigo sobre o caso, um militante do PCO tenta justificar a posição de seu partido embaralhando os argumentos e chegando à conclusão:
“Para um socialista, a punição em si não é remédio para os males criados pela sociedade dominada pela exploração e pela opressão e o criminoso é tão vítima da sociedade como a própria vítima”.
É uma generalização descabida, há criminosos e criminosos, e o que nos interessa são sempre os interesses de classe envolvidos, em especial, o que atrapalha ou o que ajuda a elevar o nível de consciência e organização do conjunto da classe trabalhadora na luta pelo socialismo. No caso de Mariana Ferrer, por exemplo, em que o empresário foi absolvido mesmo com provas e testemunhas que o incriminavam, nós condenamos o empresário que escapou graças à sua influência, o abuso de seu advogado na audiência, a conivência do juiz e do promotor, o constrangimento e negligência da polícia, e reivindicamos que todos sejam punidos. Eles não são “vítimas” do sistema, eles são parte do sistema que ataca as mulheres e os trabalhadores.
Vale também recordar que após a Revolução de Outubro de 1917, na URSS, Trotsky organizou o Exército Vermelho de forma disciplinada, inclusive autorizando a punição de estupradores em suas próprias fileiras. O estupro não era visto como algo menor, mas era extremamente condenado, e tido inclusive como prática recorrente do Terror Branco, das forças imperialistas reacionárias.
Hoje, só no Brasil, a cada 8 minutos uma mulher é vítima de estupro (Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública). Isso no país em que o presidente (quando ainda era deputado) disse que não estupraria uma deputada adversária “porque você não merece”, a luta contra o machismo tem como fim a luta contra o capitalismo e passa hoje, também, pela luta pelo “Fora Bolsonaro”.
O aumento da violência contra as mulheres evidencia toda a decadência do sistema capitalista e sua incapacidade de constituir um mundo verdadeiramente livre e igualitário. A manutenção deste sistema só pode fazer aumentar os elementos de barbárie, dentre eles, o machismo e a violência contra a mulher.
O movimento Mulheres Pelo Socialismo reitera seu apoio e solidariedade a toda mulher vítima de violência.
- Pelo fim da violência contra as mulheres!
- Prisão para os estupradores!
- Abaixo o capitalismo!
- Fora Bolsonaro! Por um governo dos trabalhadores, sem patrões nem generais!