Considerações sobre a greve na USP: Um convite ao debate e a ação

Esquerda Diário/Divulgação

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Há quase um mês foi deflagrada a greve de estudantes e trabalhadores da USP. Dias depois, professores também entraram em greve, embora tenham saído poucas semanas depois, aceitando o reajuste salarial proposto pela reitoria de 1,5%. Trabalhadores também saíram de greve no último dia 22.

Foi e está sendo muito discutido sobre os eixos, os métodos, sobre a efetividade de uma greve estudantil, sobre esvaziamento das assembléias e das decisões coletivas, entre outras questões, das quais não são novidade para muita gente que estuda na Universidade, mas que em momentos de acirramento político gera discussões acaloradas, o que mostra que as pessoas estão abertas a discutir de alguma forma.

O texto a seguir procura dialogar com todos os ativistas e militantes sinceros que buscam se aprofundar e querem de fato construir um movimento estudantil mais forte, representativo e combativo.

Mais uma greve anunciada

A assembléia que decidiu para que os estudantes entrassem em greve foi marcada por muita confusão, briga e baixa participação dos estudantes. A mesa dirigida pelo DCE (Levante Popular, UJS e grupos do PT) não conseguiu fazer com que sua proposta ganhasse (paralisação para dia 29 de maio)  e ganhou a proposta de greve imediata para 29 de maio. Após uma contagem para ver contraste na votação, se instaurou uma briga e o DCE se retirou. Só com os ânimos acalmados é que se reorganizou a votação dos eixos com a plenária esvaziada, por isso a grande maioria, mesmo a mais participativa, não ficou sabendo quais eram os eixos da greve porque não ficou claro e não foi massivamente divulgado. O DCE se viu depois obrigado a seguir a decisão da assembléia, sem grande entusiasmo. E assim nasceu mais uma greve na USP. Seria mais uma vez a crônica de uma morte anunciada?  

Sobre a baixa participação nas assembléias, para se ter uma idéia, quando foi deflagrado a greve de 2011 (aquela que foi amplamente noticiada na grande mídia, era contra a PM no campus e estigmatizou o estudante da USP/FFLCH de “maconheiro”) as assembléias chegavam na casa dos 2 mil ou mais participantes. Desta vez a greve foi aprovada por apenas 217 a favor e 215 votos contrários.

Mas não é só de alta participação de estudantes em uma assembléia que se constrói uma greve. É necessário que se tenha uma forte mobilização, estudantes convencidos e com o estado de ânimo radicalizado o suficiente para que outros cursos também se juntem a greve, com clareza das propostas e eixos. E não é o que vemos, as mobilizações estão em decréscimo, com assembléias cada vez mais esvaziadas. Aliás, não é de hoje que vemos um descrédito pelo movimento estudantil, com assembléias quase vazias por parte dos estudantes.   

Mas afinal, as greves são necessárias?

Lênin em seu texto chamado “Sobre as Greves”, escreve o seguinte a respeito do significado das greves:

“Que significado têm as greves na luta da classe operária? Para responder a esta pergunta devemos determo-nos primeiro em examinar com mais detalhes as greves. Se o salário do operário se determina — como vimos — por um convênio entre o patrão e o operário, e se cada operário por si só é de todo impotente, torna-se claro que os operários devem necessariamente defender juntos as suas reivindicações, devem necessariamente declarar-se em greve para impedir que os patrões baixem os salários, ou para conseguir um salário mais alto.

(…)

Quando um patrão que acumulou milhões às custas do trabalho de várias gerações de operários não concede o mais modesto aumento de salário e inclusive tenta reduzi-lo ainda mais e, no caso de os operários oferecerem resistência, põe na rua milhares de famílias famintas, então os operários veem com clareza que toda a classe capitalista é inimiga de toda a classe operária e que os operários só podem confiar em si mesmos e em sua união.”

A ideia central a ser aprendida no trecho é que há uma divisão na sociedade onde uma minoria (burguesia) explora a força de trabalho de uma maioria (classe trabalhadora) e que somente pela luta e união da classe trabalhadora é possível barrar os ataques que a burguesia lança. É aí que a greve se mostra como um método genuíno no sentido de pressionar os patrões e parar a produção. Mas ele deve ir além, deve servir também como um método que ajude a elevar o nível de consciência dos trabalhadores, ensinando-os da importância de se unirem e forjar suas próprias organizações, na perspectiva de acabar com o sistema capitalista. Ele coloca desta maneira a questão:

Durante cada greve cresce e desenvolve-se nos operários a consciência de que o governo é seu inimigo e de que a classe operária deve preparar-se para lutar contra ele pelos direitos do povo.”

E mais a frente:

“Das greves isoladas os operários podem e devem passar, e passam realmente, em todos os países, à luta de toda a classe operária pela emancipação de todos os trabalhadores.”

Obviamente não somos operários e estamos lidando com uma greve de caráter estudantil, mas o aprendizado com base nas ricas experiências da classe trabalhadora pela sua emancipação servem de exemplo sobre como se organizar.

A Comuna de Paris, por exemplo, apresenta ensinamentos importantes sobre a questão da organização dos oprimidos em luta e a tarefa de destruição do parlamentarismo e do Estado burguês como um todo.

O maio de 68, que este ano completa 50 anos, mostra a força que greves estudantis podem desenvolver. Apesar de ter começado com os estudantes, rapidamente alcançou diversas categorias de trabalhadores rumo a greve geral, chegando a colocar 10 milhões em greve e que desestabilizou o governo conservador de Charles De Gaulle, na França.

As greves podem desempenhar um papel crucial nas revoluções, tal como no caso da França de 68. Elas são um instrumento que podem ser eficazes, mas não devem ser vistos como o único método. As greves, assim como qualquer tipo de instrumento organizativo, se baseiam no programa político a ser adotado, ou seja, questões de organização e métodos organizativos não são independentes das linhas políticas, mas subordinados a elas.

A questão sobre ter ou não ter greve na USP deve passar pelo o que vamos lutar (programa político) e como alcançar o objetivo almejado (quais os meios: paralisação, greve, ato, panfletagem, etc.). Uma greve que nasce de uma assembleia onde o DCE abandona a mesa e não há clareza do(s) eixo(s) reivindicado(s) dificilmente vai ganhar simpatizantes. Além disso, ela ganha descrédito aos olhos do conjunto dos estudantes. Isso explica a baixa aderência na mobilização. Uma paralisação bem feita, com estudantes mobilizando outros estudantes da necessidade por se lutar por mais vagas no CRUSP (república estudantil) seria uma proposta mais produtiva e conseqüente naquele momento, também elevaria o nível de consciência político e a necessidade de se organizar por parte dos estudantes.

Sobre os métodos e as direções

Qualquer pessoa minimamente crítica e que acompanha a situação na USP percebe o quanto a Universidade vem sofrendo ataques por meio da reitoria e do governo estadual.  Falta de vagas no CRUSP e seus prédios caindo aos pedaços, falta de professores (https://liberdadeeluta.org/index.php/node/347), falta de impressão na pró-aluno, fechamento de parte do HU e planos de PDV (Demissão Voluntária) para os servidores da USP são apenas alguns dos principais problemas. O sucateamento da Universidade veio a galope de alguns anos para cá. Tudo isso é reflexo do que acontece nacionalmente, por meio dos ataques de Temer na educação e em diversas áreas. Mas tudo isso poderia ter sido barrado se houvesse uma direção que  rompa com a burguesia e aos mandos do capital, ou seja, uma direção revolucionária, tanto sindical como estudantil.

Apesar do freio das direções, a insatisfação geral é cada vez mais evidente e ela se mostra por meio das inúmeras mobilizações e tentativas de greves ao longo desses anos na USP. Isso explica porque existe praticamente uma greve a cada ano desde de 2011. Há disposição de luta, mas ela não é canalizada por uma direção combativa de fato e consequentemente, tudo se desmancha no ar, e o movimento vira um eterno esforço de Sísifo.

A greve de 2002 arrancou conquistas concretas, foram contratados 259 professores só na FFLCH frente a ridícula proposta da reitoria de 12. Até os professores apoiaram. Houve algo de especial? Vale ler esse trecho de um dos documentos feitos pelo Comando de greve na época:

“Vale dizer que as discussões sobre os problemas da faculdade tiveram início desde há muito tempo e, no ano de 2002, desde o primeiro dia de aula, tanto pelos alunos veteranos, que sentiam o problema há vários semestres, como pelos calouros que se deparam com: salas lotadas, falta de professores e condições físicas precárias para as aulas. Foram feitos debates em sala de aula, assembléias, seminários, paralisações de um dia, reuniões com a diretoria e uma audiência com a pró-reitoria.”

Não há fórmula mágica, nem há como replicar mecanicamente os métodos, mas a História e as experiências passadas nos ensinam. O que nos interessa do que aconteceu e pode ser aprendido para iniciativas futuras é a intensa mobilização por meio de debates e iniciativas práticas. Isso misturado a insatisfação geral fez com que eclodisse uma forte radicalização, com estudantes dispostos a fazer sacrifícios pela causa. Não é à toa que a greve durou 106 dias. Certamente hoje também há ativistas e militantes muito empenhados, que lutam contra os ataques do governo estadual, mas eles são barrados pelas direções estudantis que há anos não estão de fato comprometidos em construir um movimento amplo, forte e combativo. Pode não estar fresco na memória de muitos, mas durante a greve de 2011 em uma das assembléias onde o movimento estava radicalizado, o DCE (que na época eram grupos do PSOL e PSTU) e os diversos grupos de oposição (dentre eles os hoje chamados Território Livre, Faísca e PCO) que se reivindicam ultrarrevolucionários, ficaram se digladiando para disputar quem organizaria a calourada para o ano seguinte. Ao invés de concentrarem forças em definir ações para expandir a greve e como fortalecer o Comando de Greve, ficaram com disputa de aparelho sobre o movimento, transformando a plenária em guerra de torcida. Atitudes como essa geraram desgaste, desânimo e afastam a maioria dos estudantes, poucas semanas depois a greve acabava de maneira inconclusiva, sem conquistas e com um mal-estar e aversão contra as organizações políticas de modo geral. Aliás, a guerra de torcida deu o tom das assembléias, plenárias e congressos cada vez mais esvaziados tanto de gente como de política.

Há solução?

Não temos bola de cristal para prever o futuro, mas há como se ter uma ideia dos próximos passos por meio do método marxista. A greve como foi construída na USP não tem possibilidades de ganhar adeptos pois ela não tem base política nem de métodos. Não há como declarar uma greve sem uma forte mobilização, que não se constrói da noite pro dia, nem por mera disputa de aparelhamento de um ou vários grupos políticos, e sim por uma reivindicação e mobilização genuína dos estudantes, tal como aconteceu recentemente com os estudantes da UFMT em greve ao exigirem que não aumentassem o valor do Restaurante Universitário. O movimento passou por cima de seu DCE imóvel (dirigido pela UJS), que só chamou assembléia após vários cursos paralisados.

Sem dúvida a reivindicação pela permanência estudantil por mais vagas no CRUSP e construção de novos prédios (não só os blocos K e L) é legítima e temos acordo. Apenas 1187 vagas para alunos de graduação e 378 são oferecidos no CRUSP contra os quase 89 mil matriculados é evidente que a demanda vai muito abaixo do esperado. Inclusive o CRUSP foi conquista de muita luta dos estudantes. A reivindicação está atrelada ao fim do sucatemento da Universidade pública e com os cortes nas áreas sociais promovidos pelo Capital em São Paulo, no Brasil e no mundo.

Mas boa parte das organizações políticas que atuam na USP não podem substituir poucos ativistas (mesmo os bem intencionados) pelas massas estudantis. Convencer, organizar e mobilizar são tarefas necessárias e requerem paciência, essas organizações que propõem greve a toda hora parecem ter perdido a confiança na união dos estudantes e na capacidade de se tirar conclusões sadias para o movimento, isso sem contar no desgaste que geram.   

Além disso, repudiamos a atitude dos professores que procuraram cercear os estudantes, retirando a força os piquetes no prédio da Filosofia e Ciência Sociais. Ao mesmo tempo, consideramos que a greve e os piquetes devem ser métodos amplamente debatidos, e não concentrado em poucos ativistas e militantes como foi o que aconteceu.

O movimento estudantil na USP tem muito que aprender com os métodos dos bolcheviques. Os sovietes na Russia são um ótimo exemplo de organização que exige compromisso das direções e lideranças, diretamente pautados pelos conselhos da base (os tais sovietes) que se organizam periodicamente, de acordo com os métodos democráticos de discussão da classe trabalhadora.   

O maio de 68 apesar de ter sido traída pela sua direção, tem importantes lições para serem apreendidas com a aliança operária estudantil. O ímpeto revolucionário da juventude são elementos que garantiram a impulsão e vitorias num primeiro momento, mas foi com a entrada da classe operária em cena para garantir vitorias maiores, pois o proletariado é a única classe genuinamente revolucionária, tal como comprovou a Revolução Russa.

Sem dúvida o Movimento na USP, assim como o movimento estudantil nacional, de uma forma ou de outra, seguirá seus passos no sentido de se reorganizar. Novos combates e a luta contra a burguesia e o capital estão em perspectiva, a classe trabalhadora não se sente derrotada, prova disso é greve geral de abril em 2017. O ímpeto é revolucionário, mas as direções conciliadoras e traidoras são um obstáculo.

Levantamos a bandeira por educação pública gratuita e para todos para conectar com as reais necessidades dos filhos da classe trabalhadora. Atrelado a isso, queremos que todos tenham direito ao acesso ao ensino superior, por vagas para todos nas universidades públicas, inclusive na USP. Que todos tenham como se manter na Universidade com vagas nas repúblicas estudantis em todos os campi.

Somente com a aliança operário estudantil para enterrar de vez os ataques promovidos pelo governo do PSDB em São Paulo, Temer e o Congresso Nacional.

Como dizia as ruas de 68: “A beleza está nas ruas!”

Junte-se a nós da Liberdade e Luta!

 

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