Relações exteriores, nazismo de esquerda e a volta à idade média

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O lema do governo deveria ser “Não viemos para explicar, viemos para confundir”. O real lema esconde a intenção em falsificar a história, afirmando, por exemplo, que o nazismo foi um movimento de esquerda – dito pelo Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Bolsonaro, concordando, afirmou em entrevista “Não há dúvida, não é? Partido Socialista, como é que é? Da Alemanha. Partido Nacional Socialista da Alemanha”.

A resposta de Bolsonaro demonstra apenas que o tipo de conhecimento que seu governo pretende trazer à sociedade, através das escolas, é o conhecimento que não se baseia em métodos científicos de análise, que apenas parte da superficialidade dos eventos, de como eles aparecem e não de como são em essência.

Quem é o ministro das relações exteriores e o que ele defende?

Ernesto Araújo é formado em Letras, trabalha com relações internacionais há quase 30 anos e foi indicado a dedo por Olavo de Carvalho ao ministério. A indicação se deu pelas fortes congruências entre ele e Bolsonaro quanto ao que só podemos chamar de falso nacionalismo. Na verdade são verdadeiros capachos do imperialismo, como já ficou claro na visita de Bolsonaro a Trump, quando entregou a Base de Alcântara e liberou, sem reciprocidade, a entrada de norte americanos no Brasil sem visto. 

O ministro é um conhecido defensor de teses paranóicas como o “marxismo cultural”, o “globalismo esquerdista” e outras. Por exemplo, alega que o aquecimento global é uma tese marxista que sabota a produção mundial para beneficiar a China, ou que o PT criminaliza ar condicionados pela emissão de CO2. São alucinações dignas dos melhores memes!

Por essa razão, vai além da sua função diplomática para reforçar o obscurantismo, o fundamentalismo religioso e o repúdio à ciência que pulsam neste governo. São alegações públicas que, em conjunto com a insanidade de Damares, Nagib (Escola Sem Partido) e do recém nomeado Abraham Weintraub (educação), assumem a autoria do grave atentado ao conhecimento e ao próprio desenvolvimento intelectual humano.

Em suas aventuras no exterior, Bolsonaro assume ter cometido algumas “caneladas”. Nesse caso, a experiência do ministro nos 29 anos de diplomacia renderia alguns bons conselhos ao presidente, certo? Hmm…

Em seu artigo “Trump e o Ocidente”, cultua, com um discurso estranho, um bloco pan nacionalista cujo salvador foi enviado por deus na figura de Donald Trump. No mesmo artigo, homenageia Heidegger como um “verdadeiro patriota” e enaltece a crítica do filósofo a Adolf Hitler, reafirmando que o erro do nazismo não estava no ultranacionalismo, mas no “marxismo cultural” que “sequestrou e perverteu” o patriotismo em seu favor. Os fundamentos da xenofobia, do racismo e do antissemitismo, a destruição, inclusive física, de milhares de militantes comunistas, de seus partidos e organizações, que promoveu o nazismo de Hitler e o fascismo de Mussolini ficam intactos nessa crítica.

Por não compreender absolutamente nada sobre o que é o fascismo e o que ele representou para o movimento operário internacional, insistentemente afirma que nazismo e fascismo foram movimentos de esquerda. O presidente, claro, repete como papagaio e os argumentos terminam sendo piores do que a própria afirmação. E firmam o pé contra toda a comunidade internacional, as embaixadas alemãs, o livro de Hitler (Mein Kampf) e o próprio memorial às vítimas do holocausto de Israel, que têm consenso sobre o nazismo e fascismo terem sido movimentos de extrema direita.

O nazismo foi um movimento de esquerda, afinal?

Historicamente, o termo “esquerda” surgiu no parlamento francês durante a Revolução Francesa, onde a bancada à esquerda do chefe do parlamento era a mais progressista em relação à da direita, fiel ao status quo. Nesse contexto, as teses em disputa eram a ‘democracia representativa’ e a ‘concentração de poderes ao rei’. Já nesse contexto, as figuras do Führer e do Duce estão muito mais próximas da segunda do que da primeira tese. Diga-se de passagem que Napoleão, cujos ideais também flertavam com ultranacionalismo (a porta de entrada à xenofobia) e a expansão totalitária dos territórios pela força, dissolveu a bancada com seu golpe de Estado e forçou a esquerda a formar várias frentes de oposição “clandestinas” ao regime.

Na época do III Reich, as Internacionais já haviam clarificado as diferenças programáticas entre anarquistas, social democratas e marxistas. E mesmo para a social democracia, a mais próxima do que seria uma “centro-esquerda”, a defesa do bem estar social e da transição pacífica já a distanciava do nazismo e do fascismo. No entanto, a acusação dos falsificadores da história não joga o nazismo apenas na esquerda. Insistem que Hitler seguia especificamente os ideais de Karl Marx e Friedrich Engels.

Ernesto alega que a esquerda “sequestra e perverte” os ideais. Ao mesmo tempo, enaltece o nacionalismo, o anticomunismo, a dominação pela lei do mais forte e a ideia de nação escolhida por alguma divindade. Na cabeça dele, esses fundamentos de supremacia na verdade são virtudes, e o erro se deu exclusivamente pela forma como o que ele chama de “perversão marxista” deturpou esses valores.

O marxismo, por sua vez, explica que a frente nazi-fascista se caracterizava pela destruição física das organizações operárias. Hitler e Mussolini perseguiram e trucidaram os sindicatos e conselhos, mataram seus representantes e incorporaram essas estruturas ao próprio Estado, domando a revolta com medidas de ferro, como a Carta Del Lavoro e outras.

Vários são os registros do próprio Hitler sobre como se deu o processo de “expurgação da piolharia comunista”, nas palavras dele. Quando questionado, Ernesto responde de forma simplista que a derrota nazista em solo soviético não significa oposição, pois é possível que haja forças rivais no mesmo espectro político. Bolsonaro abraça o capeta e diz que são socialistas porque assim dizia o nome do partido,  “nacional socialista”. E encerram o argumento. Esse reducionismo zomba do método científico, além do desrespeito com todo conhecimento da humanidade acumulado até aqui.

Ou seja, se valem de um malabarismo grotesco para pôr na conta da esquerda, especificamente no marxismo, o que “deu errado” na humanidade. Isso levanta um espantalho que faz escapar fatos históricos e discussões já superadas, como se houve ou não tortura na ditadura brasileira, se o português já pisou na África atrás de escravos e até se a Terra é plana, um retrocesso histórico e científico à era medieval, à própria Idade das Trevas!

Ignoram que nos pilares de uma revolução socialista estão inclusos a expropriação dos meios de produção, ao contrário dos financiamentos e condecorações que Hitler trocou com Henry Ford, Volks, BMW e os belos uniformes confeccionados pela Hugo Boss; a economia planificada sob controle do Estado proletário está infinitamente longe do “darwinismo social” aplicado à livre concorrência e à “raça perfeita” também. Nos apelos a essas grandes empresas para que financiassem sua ditadura, Hitler afirmava que “a propriedade privada sob a democracia é vulnerável ao comunismo”.

O marxismo também se fundamenta na solidariedade de classe que reconhece os trabalhadores de todo o mundo como irmãos, conclamando a união internacionalista de todos os povos. Em que aspecto isso se aproxima de uma marcha eugenista e xenofóbica dizimando outros povos por um critério anticientífico de divisão da humanidade em raças? Em que parte da teoria marxista houve convocatória para que um povo atirasse em trabalhadores de outros países por seja qual for o critério?

Governo Bolsonaro é inimigo dos trabalhadores e da juventude!

As posições desse ministro expressam o que a burguesia consegue produzir em seu período imperialista: reação em toda linha. Suas posições, principalmente sobre Trump, além de lunáticas são totalmente entreguistas. Revela a profunda dominação do imperialismo norte-americano sobre países como o Brasil e a submissão da burguesia, de seus representantes no parlamento e do governo Bolsonaro. Essa submissão se expressa, principalmente, nas privatizações, na assinatura do acordo que entrega a base de Alcântara no Maranhão, na liberação de visto para turistas dos EUA sem reciprocidade, etc…

O que Bolsonaro e seu conselho da idade média não consideram é que na alucinação do Ernesto sobre o “Ocidente” mais desenvolvido, mais puro, com mais prosperidade, mais força e mais proximidade com deus, estão encobertas ideias perturbadoras – não perceberam, por exemplo, que as campanhas ultranacionalistas tiveram exatamente o mesmo slogan: “Brasil acima de tudo”, “Deutschland über alles!” – que às vezes dão as caras em declarações como o “fuzilamento da petralhada”, “o negro que pesa sete arrobas” e as piadas com os torturados e mortos na ditadura militar. Não é correto afirmar que Bolsonaro e seu governo sejam nazistas ou fascistas, mas alegar que o nazismo pertence à esquerda tem objetivo claro de confusão e é nosso dever, enquanto jovens que lutam pela revolução e pelo socialismo, combater a falsificação da história, tanto em defesa dos nossos princípios (como o internacionalismo e a solidariedade de classe), quanto para evitar que esses episódios macabros ressurjam da lata de lixo e escrevam novas páginas à revelia do nosso combate.

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